Paul Rivers (Sean Penn, em mais uma atuação perfeita) fala, em seu leito de morte, que 21 gramas é a quantidade de peso que a alma leva quando abandona o corpo, no momento em que desencarnamos. Na verdade, 21 gramas pode muito bem também se referir à quantidade de coisas que perdemos e ganhamos durante a nossa vida, na medida em que nos deparamos com os momentos tristes e felizes que resumem a nossa existência. Portanto, de certa forma, nós morremos e renascemos várias vezes enquanto vivemos.
Até que Paul chegue nesse momento crucial, muita coisa ainda irá acontecer. São estes acontecimentos que iremos acompanhar em “21 Gramas”, primeiro filme do diretor mexicano Alejandro Gonzalez-Inarritu – o mesmo de “Amores Brutos” – em língua inglesa. Ele não é o único mexicano no filme: o diretor de fotografia Rodrigo Prieto (“Frida”) e o roteirista Guillermo Arriaga, dois parceiros habituais do diretor mexicano, completam o time.
Os três personagens principais de “21 Gramas” – Paul, Christina Peck e Jack Jordan – possuem um elemento em comum: todos passaram ou estão passando por uma tragédia em suas vidas. Paul está mergulhado num casamento fracassado, que só sobrevive por causa de sua doença no coração, da qual só será salvo se se submeter a um transplante. Esta situação transforma Paul num ser dependente dos cuidados e da vontade alheia. A esposa dele (Charlotte Gainsbourg), por sua vez, sofre ao ver o marido naquela situação, cuida dele, mas toca a sua vida para frente. Por isso, deseja ficar grávida de Paul, contra a vontade dele, de forma que ela possa ficar com uma espécie de lembrança dele quando Paul falecer – hipótese que, na época, parecia ser inevitável.
Christina Peck (Naomi Watts, numa atuação poderosa e emocionante, a qual é uma das melhores de sua carreira, indicada ao Oscar 2004 de Melhor Atriz) é a devotada esposa de Michael (Danny Huston) e a mãe carinhosa de duas filhas, Laura e Katie. A maternidade e o apoio e amor do marido foram fundamentais para a sua decisão de largar o vício em cocaína – ela freqüenta os Narcóticos Anônimos para se manter sob controle. Porém, ela perde o sentido de viver quando Michael, Laura e Katie são mortos em decorrência de um atropelamento.
Jack Jordan (Benicio Del Toro, excelente, em atuação indicada ao Oscar 2004 de Melhor Ator Coadjuvante), desde os dezesseis anos, oscila entre tempos na cadeia e tempos de liberdade. Ele casou-se com Marianne (Melissa Leo) e teve dois filhos, entretanto isto não fez com que ele se endireitasse na vida. O encontro com a religião – ele chega a ser um fanático – fez nascer um novo homem dentro dele e Jack passa a se dedicar a salvar meninos de terem o mesmo destino que o dele. Porém, o sentimento de culpa passa a lhe atormentar quando ele atropela, foge sem prestar socorro e mata a família de Christina.
O ciclo de encontro entre estes personagens se fecha quando Paul recebe o coração de Michael. Em conseqüência disso, ele passa a se dedicar a encontrar a origem do homem que o salvou, o que o acaba levando diretamente para Christina. A partir daí, a platéia passa a acompanhar dois lados de uma história: como as vidas de Christina e Jack são destruídas devido ao acontecimento trágico que vivenciaram e como é o renascimento de Paul, o qual parece querer dar uma continuidade à vida de seu doador, assumindo os desejos de Michael, sem ter a mínima idéia de que o seu momento de autodestruição ainda está por vir.
A linha de condução dessa história foge do convencional: a edição mistura os acontecimentos do tempo presente com aqueles que já aconteceram – efeito já utilizado em “Amnésia”, do diretor Christopher Nolan. Mas as peças do quebra-cabeça do roteiro não se confundem, afinal todos estes personagens possuem as mesmas motivações, medos e angústias. A fotografia frenética nos dá a idéia de autodestruição que perdura em todo o filme e as atuações do trio central de atores e do elenco de apoio chegam a ser impressionantes de tão reais.
No final de tudo, vemos que “21 Gramas” fala, na verdade, sobre a continuidade da vida. O filme discorre sobre esse tema da maneira mais difícil: mostrando pessoas que passaram por situações de alto risco, ficaram incrédulas, mas exorcizaram seus medos, plantaram sementes que serão colhidas no futuro e retornaram para o local que lhes dá mais segurança. Todos nós precisamos nos agarrar às nossas forças – por mais ínfimas que elas sejam – para continuarmos a viver e foi isso o que Paul, Christina e Jack fizeram.