A natureza maliciosa
por Bruno CarmeloA sinopse oficial pode dar a impressão de uma obra pueril: o coelho Pedro vive sob os cuidados da gentil pintora Bea (Rose Byrne), e passa os dias tentando roubar legumes da horta ao lado, com a ajuda dos irmãos. Quando Bea se apaixona pelo vizinho, Thomas McGregor (Domhnall Gleeson), Pedro deve aprender a conviver com o maior inimigo. O espectador pode até antever os passos dessa trama, que provavelmente incluirá mensagens sobre a defesa da natureza, a convivência entre opostos, o amor superando as dificuldades etc.
Felizmente, Pedro Coelho foge aos ensinamentos virtuosos. O protagonista é sacana, arrogante e egocêntrico. Em diversos momentos, ele brinca com a burrice de outros animais, com o fato de estar num filme, ou por ser um animal trajando roupas. Existe um bem-vindo senso de autoparódia, ideal para o projeto não se levar muito a sério, e também para dialogar com o público adulto. Tamanha malícia contribui a tornar o personagem mais interessante: Pedro está mais próximo dos perversos Pica-Pau e dos Looney Tunes do que das doces histórias de ninar.
Assim, a narrativa surpreende pela quantidade de personagens levando choques, fugindo a explosões ou envenenamentos. Ao invés da visão inofensiva do mundo animal, o diretor Will Gluck investe numa natureza ativa e autônoma, disposta a combater os humanos de igual para igual. O roteiro investe em dezenas de gags improváveis (os pássaros cantantes, os casacos, o alce com os faróis), além de um conflito central desconcertante. No caso, o problema básico de Pedro diz respeito à superação do Complexo de Édipo – ele está apaixonado pela mãe postiça, Beatrix, e morre de inveja do pai postiço, Thomas, a quem precisa destruir.
Diante de tamanha ousadia, muitos pais – e alguns críticos – se revoltaram contra o projeto, acusando-o de desrespeitar a ingenuidade da obra original. Algumas acusações ecoaram na imprensa sobre uma possível defesa do bullying – algo um tanto absurdo, já que o bullying, por definição, é aplicado pelos mais fortes contra os mais fracos, ao contrário do que acontece nesta história sobre coelhos atacando um herdeiro mimado. Independente de seu valor enquanto adaptação, Pedro Coelho revela-se avesso às boas intenções normalmente associadas ao gênero infantil. Ele constrói seu discurso pós-moderno através de uma narrativa ágil, uma montagem acelerada e uma técnica de animação convincente, tanto na construção dos coelhos quanto na interação com os adultos em live action.
Sem dúvida, o projeto efetua algumas escolhas contestáveis, seja pela função secundária das mulheres (as coelhas são excluídas das aventuras de Pedro; Beatrix se resume a uma moça bondosa e ingênua), seja pela narração redundante da primeira metade da história. Apesar de uma dublagem brasileira competente, é uma pena que todos os nomes sejam traduzidos, perdendo o aspecto de cultura estrangeira que poderia despertar a curiosidade das crianças. Se nos livros a tradução serve de referencial para identificação, no caso do filme o respaldo imagético deixa muito claro que a história não se passa no Brasil, enquanto o nome Beatrix serviria de importante menção à criadora dos personagens. Apesar dos pesares, Pedro Coelho resulta numa experiência muito mais inteligente do que a média das produções familiares. O segmento infantil não precisa ser sinônimo de ingenuidade.