Sem Dor Sem Ganho (2013) - Review
A inteligência de um monumento aos próprios defeitos
Poucos cineastas são mais atacados pela crítica do que o californiano Michael Bay. Sua preferência pelo espetáculo visual megalomaníaco em detrimento de uma abordagem narrativa estimulante pode ter rendido à Bay grande sucesso de público e o status de um dos diretores mais rentáveis em Hollywood, mas por outro lado atraiu a fúria universal de críticos e amantes da Sétima Arte em geral, que lhe deram vaga vitalícia nas listas de Piores Diretores. Outro alvo frequente de hostilidades, o famigerado alemão Uwe Boll desafiou seus críticos mais ferrenhos para lutas de boxe. Venceu todos, mas deixou sua dignidade no ringue. Civilizado, Michael Bay aproveita "Sem Dor Sem Ganho" (Pain & Gain, 2013) para rir dos próprios defeitos, revelando uma faceta bem-humorada e perspicaz que resulta em uma sátira sócio-política divertida e, surpreendentemente, elaborada.
O primeiro indício desta autocrítica surge na declaração do protagonista interpretado por Mark Wahlberg: "Meu nome é Daniel Lugo e eu acredito em fitness". Pela quantidade de viaturas policiais em seu encalço, é óbvio que as convicções morais de Lugo em algum momento afrontarão a lei, mas antes que vejamos o desfecho completo, Michael Bay corta para o início da trama. Lugo é um rato de academia, obcecado pela busca da perfeição física e ansioso por uma vida de riqueza e sucesso. Motivação não falta para ir em busca do "Sonho Americano", mas o problema é que ele não sabe exatamente como. Quando o cliente endinheirado e arrogante Victor Kershaw (Tony Shalhoub) sugere que o personal trainer aproveite as falhas no sistema para atingir seus objetivos, Lugo interpreta o conselho literalmente e forma um plano para sequestrar e extorquir Kershaw, com a ajuda do marombeiro Adrian Doorbal (Anthony Mackie) e do ex-prisioneiro devotado à Jesus e cocaína Paul Doyle (Dwayne "The Rock" Johnson).
Com muitos músculos e pouca inteligência para enxergar qualquer coisa além de seus próprios egos, é de se imaginar que o trio não seja exatamente expert na prática de qualquer crime. Portanto não surpreende a sucessão de trapalhadas e fracassos que vem à seguir, tão inacreditável que faria desta uma obra de ficção - se não fosse verdade. O roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely é baseado em uma série de artigos publicados pelo jornalista Pete Collins no jornal Miami New Times, o que mantém o longa de Michael Bay gravitando em torno da verdade dos fatos por mais absurdos que eles sejam. Uma crônica sobre criminosos idiotas e investigação policial desastrada em plena Miami ensolarada de 1995 é o encaixe perfeito para o estilo cinematográfico de Bay, que aqui desfila todos os seus defeitos orgulhosamente.
Porém diferente de seus filmes anteriores, que cultuavam a forma sem qualquer preocupação com o conteúdo, Bay emprega os próprios vícios à serviço de uma crítica ácida ao ideal de sucesso norte-americano. Como "Sem Dor Sem Ganho" marca o retorno voluntário do diretor à um projeto de orçamento modesto ("apenas" 25 milhões de dólares), não há espaço aqui para robôs gigantes explodindo o planeta indiscriminadamente, mas estão presentes todos os elementos que formam a assinatura de Bay: ação incoerente, caricaturas racistas, exploração da imagem feminina, violência extrema, fotografia saturada e clichês de todos os tipos. Até mesmo um carro explode sem motivo algum, enquanto o diretor ri de seus críticos com a teatralidade proposital da cena.
E pela primeira vez em toda sua filmografia, não poderia ser diferente. A história da gangue do Sun Gym é marcada por tantas situações estúpidas que a falta de sutileza do diretor cai como uma luva para alcançar o efeito cômico desejado, embora a completa ausência de sensibilidade e o exageiro crescente distanciem o cinema de Bay daquele produzido com o refino dos irmãos Ethan e Joel Cohen (Fargo), especialistas neste tipo de trama. Trata-se de um filme onde criminosos esquartejam cadáveres vestindo apenas cuecas de grife, promovendo um churrasco de dedos cortados para apagar impressões digitais, e por isso é natural a irritação provocada nos familiares das vítimas. Mas não havia outra forma de manter a leveza do longa sem fazer graça com estas bizarrices, motivo pelo qual este trabalho do cineasta configura um exercício estético de rara produtividade, que combina perfeitamente com a adaptação deliberadamente desajustada deste apagão moral violento.
Entreter multidões com sua histeria visual parece, à primeira vista, ser novamente o objetivo principal do diretor, mas por baixo do humor negro há uma camada de profundidade na crítica ao "Sonho Americano" e outros ideais conservadores. Desde que o historiador James Truslow Adams cunhou o termo em 1931 para simbolizar a oportunidade que todos têm de obter a prosperidade através do esforço próprio, a sociedade relativizou o conceito para ignorar a ética dos meios desde que o fim fosse o sucesso financeiro. Tal subjetividade gera desordem se manejada por indivíduos moralmente deturpados, como no caso de Daniel Lugo. Mark Wahlberg entrega uma performance competente ao incorporar o homem que almeja o sucesso a qualquer custo, acreditando ser legítimo merecedor em razão de sua superioridade física, pois o tamanho de seus músculos é a prova de seu esforço e seu valor. Em suma, na mente de Daniel Lugo ele merece ser rico apenas por ser ele próprio, paródia não muito distante do pensamento elitista norte-americano.
Bay utiliza o conceito de "fitness" como uma metáfora para a deterioração da relação entre meritocracia e riqueza, e o protagonista de seu filme interpreta o Destino Manifesto à nível físico para inspirar seus companheiros. O personagem de Anthony Mackie precisa de dinheiro para melhorar sua performance sexual, sem a qual ele não pode ser um homem completo na concepção masculina tradicional. Já The Rock, cuja interpretação se destaca no trio ao flutuar entre a inocência sóbria e a alucinação induzida pela cocaína, adciona à mistura a devoção cristã que se revela mera hipocrisia quando a violência brutal se faz necessária para chegar à El Dorado. Mesmo a homofobia dos personagens é combustível para a sátira de Bay, que submete o trio à um armazém lotado de vibradores e brinquedos sexuais, onde interrogam Victor Kershaw. Por falar nele, o empresário pode ser mostrado como uma caricatura inescrupulosa, mas perto dos criminosos seu sucesso é visto como legítimo pelo diretor, apontando que carisma não é parâmetro moral em uma sociedade regida pelo Sonho Americano.
Em meio à um elenco atado ao exageiro, o detetive Ed DuBois interpretado com elegância por Ed Harris surge como um raio de sensatez, contrabalançando a raiva obssessiva de Kershaw. O ator veterano é mais um elementos que marca o retorno de Michael Bay às raízes, basta lembrar de "A Rocha" (The Rock, 1996), fruto de uma época em que o diretor se concentrava em narrativas coerentes e empolgantes sem a necessidade de orçamentos gigantescos. É nisso que consiste "Sem Dor Sem Ganho", beneficiado pelas décadas de experiência de seu criador na indústria, que trouxeram maturidade para que Bay reconhecesse também as razões das críticas negativas. O que torna este filme em algo notável é justamente o bom humor com o qual o diretor encara a situação e seu olhar crítico para o mesmo sistema do qual é um efeito colateral, erguendo um monumento inteligente e divertido aos próprios defeitos.