[CRÍTICA COM SPOILER!!]
A Viagem de Chihiro (Spirited Away), sem dúvidas, é uma grande experiência para quem quer conhecer uma expressão do processo de transição da infância para o amadurecimento. O filme aborda essa transição partindo do ponto de vista de Chihiro, ou seja, daquela é que agente desse processo, trazendo ao espectador a perspectiva não daquele que já é maduro e quer explicar o assunto, como se fosse um livro sobre psicologia infantil, por exemplo, mas sim de uma perspectiva que mostra as conseqüências dessa transição na própria criança.
Chihiro é mostrada no início do filme como uma menina mimada e que reclama de praticamente tudo. Reclama do fato de ter de mudar de cidade e escola e do fato de a flor que queria dar a uma amiga murcha no meio do caminho (o que, aliás, foi uma irresponsabilidade da própria garota). Nessa primeira metade do filme, Chihiro é, basicamente, a menina que arranja conflito com o mundo inteiro por motivos fúteis. Com o desenrolar dos próximos fatos, onde seus pais viram porcos e a região dos restaurantes começa a ser habitada por fantasmas e criaturas sobrenaturais, é como se o mundo tivesse o esforço de desafiar Chihiro a sair da situação de onde está, e é mais ou menos isso que umas das mensagens do filme: O mundo é um lugar onde estará quase indiferente ou até contra você.
A garota, para sobreviver, necessita arranjar um trabalho junto com os outros membros do conjunto, que têm uma fascinação por ouro. Apenas nessa pequena descrição, é possível criar analogias no mundo real capitalista sobre trabalho e ganância, principalmente vindos de Yubaba, a líder de toda essa sociedade que é caracterizado no filme como uma chefa autoritária e manipuladora. Yubaba, que representa os patrões, os políticos e todos aqueles que exploram por dinheiro e lucro, mostra sua insanidade “roubando” o nome de Chihiro, retirando algumas letras em kanji (caractere japonês) e transformando-o em Sen. O nome “Chihiro” é formado pelos kanji das palavras “mil” e “procurar”, ou seja, aquele que é grande numericamente, mas também grande espiritualmente, enquanto “Sen”, nome imposto por Yubaba, é formado apenas pelo kanji de “mil”, ou seja, Chihiro é transformada em um simples número. Entretanto, o mais interessante referente à Yubaba é que a personagem, não necessariamente, é retratada como personagem maligna, mesmo representando características de arquétipos de vilões de animações ocidentais, como a Disney. Em alguns momentos, ela ajuda os funcionários em alguns trabalhos mais árduos da casa de banho, como no incidente do “espírito de fedor” onde ela motivou Chihiro/Sen a atender o cliente. A criação de uma antagonista que não seja totalmente má, além de se distanciar dos clichês das animações, como dito anteriormente, torna Yubaba uma personagem mais humanizada.
Tendo em conta todas as dificuldades que sofreu na sua jornada, que foram essenciais no seu processo de amadurecimento, que não é demonstrado como “oposição à infância” em nenhum momento, vários elementos que aparecem na obra, principalmente no meio-final do filme, remetem a memória e a nostalgia da infância que não foi valorizada por Chihiro no começo do filme. O laço de cabelo que Zebira entregou para a garota, tecido por Sem-Rosto, é um desses elementos. Esse laço, que segundo Zebira protegerá Chihiro de todo o mal, transforma o valor ligado ao lucro e ao financeiro que o bem material tem no mundo capitalista em um valor emocional, onde, nesse ponto, que reconhecer a importância dos valores emocionais e sentimentais ao invés, exclusivamente, dos valores materiais, é também parte do amadurecimento do indivíduo.
A Viagem de Chihiro é, sem dúvidas, um dos melhores filmes de Hayao Miyazaki. Chihiro não é mostrada como, simplesmente, um agente passivo que apenas observa o mundo acontecer a sua volta, como muitas vezes é representada a infância, mas também um agente que é parte do mundo, que também têm a capacidade de construir coisas novas no mundo e que, também, sofre as conseqüências de suas ações, pois a criança também é parte do mundo. Como dizia a música de Arnaldo Antunes: “Saiba, todo mundo já foi neném/Einstein, Freud e Platão também/Hitler, Bush e Saddam Hussein/Quem tem grana e quem não tem.”