A crise econômica e social argentina nunca foi tão bem retratada no cinema como neste filme. A jovem diretora "hermana" pega duas famílias que vivem numa espécie de fazenda no norte da Argentina. Nos tempos áureos o cultivo da pimenta gerava muito lucro. A realidade agora é outra. Já nas primeiras cenas do filme vê-se várias pessoas à beira da piscina (imunda, por sinal) da casa, tomando banho de sol e embriagando-se com vinho barato. A matriarca de uma das famílias, Mecha (Graciela Borges), cai e se corta com os estilhaços do copo que ostentava em suas mãos. Nenhum dos adultos toma provicência alguma para ajudá-la. Nem mesmo seu marido, Gregorio (Martín Adjermían), se dignou a parar de consumir a sua bebida alcoólica para ajudar a esposa. Foi necessária a intervenção da filha, Momi (Sofia Bertolotto), uma adolescente, para ajudar a mãe e levá-la para o hospital da região onde ela pudesse ser socorrida. Essa cena é emblemática porque evidencia em primeiro lugar o descaso com a vida alheia, parece que todos estão preocupados apenas e tão somente com o seus próprios umbigos, ou seja, uma "anestesia" afetiva toma conta de todas pessoas que habitam aquela fazenda; em segundo lugar, é a representação alegórica de um país que outrora viveu tempos de fartura, e agora vive com a vaga lembranças daqueles tempos, cujo símbolo principal é a piscina, que não é limpa há muito tempo. O calor e as chuvas torrenciais dão a tônica climática da região da fazenda, que serve metaforicamente para mostrar a sociedade argentina se atolar no lodo através de uma vaca que fica presa e morre no pântano. Crianças e adultos têm uma higiene precária, ficam deitados a maior parte do tempo. Lembram aquele ditado que "querem que o mundo terminem em barranco para morrer encostados". Lucrécia Martel, de 35 anos, soube como ninguém capturar o clima de decadência financeira, e, principalmente, ética de seu país. Se há alguma coisa boa em tempos de crise é que favorece a determinadas criações artísticas. A diretora nem tenta colocar "cereja" no bolo de ninguém: o retrato argentino é de uma degeneração moral devastadora. É um filme que incomoda, que vai fundo na chaga argentina, e que está muito longe dos padrões hollywoodianos de cinema. Ainda bem.