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    Grande Sertão
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Grande Sertão

    Grande Sertão é uma adaptação potente do clássico de Guimarães Rosa, com atuação assustadora de Eduardo Sterblitch

    por Bruno Botelho dos Santos

    Grande Sertão: Veredas é um dos maiores clássicos da literatura brasileira, romance de Guimarães Rosa considerado um dos mais complicados de se adaptar – tanto pela sua relevância quanto pela sua complexidade. Por isso, o livro foi adaptado para o audiovisual apenas duas vezes, no cinema com Grande Sertão (1965) e para a televisão na minissérie Grande Sertão: Veredas (1985), produzida pela Globo. Guel Arraes, responsável por O Auto da Compadecida, assumiu a responsabilidade de levar a obra de Guimarães Rosa novamente para as telonas com Grande Sertão (2024), com uma proposta ousada e diferente.

    Na trama, a comunidade "Grande Sertão" é controlada por facções criminosas onde uma luta entre policiais e bandidos assume ares de guerra e traz à tona questões como lealdade e traição, vida e morte, amor e coragem, Deus e o diabo. Neste lugar, Riobaldo (Caio Blat) entra para o crime por Diadorim (Luisa Arraes), cuja identidade e a paixão que sente são mistérios conflitantes em sua cabeça. A partir de então, em meio a um ambiente hostil de guerra, Riobaldo enfrenta dilemas éticos, morais e existenciais, enquanto busca entender seu lugar no mundo e também sua própria natureza.

    Grande Sertão é uma releitura ousada do clássico de Guimarães Rosa

    Paris Filmes

    O roteiro de Grande Sertão, escrito em colaboração por Guel Arraes (O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro) e Jorge Furtado (Ilha das Flores e O Homem que Copiava) apresenta uma releitura interessante e corajosa para Grande Sertão: Veredas. O filme deixa de lado o sertão brasileiro e os conflitos entre jagunços da obra de Guimarães Rosas, trazendo a narrativa para um futuro distópico no contexto de violência e guerra urbana, com as intensas disputas de poder entre a polícia de Zé Bebelo (Luis Miranda) e um grupo de criminosos de Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi).

    Essa escolha atualiza a história e conversa melhor com o nosso mundo atual, especialmente a realidade nas periferias. Grande Sertão mergulha de cabeça na violência e como esse clima opressivo cotidiano molda a vida e a realidade de todos os seus habitantes, explorando diferentes perspectivas da guerra. Mesmo assim, o foco fica mesmo na polícia e nos criminosos, enquanto os demais moradores são deixados mais de lado e representados pela dor de Otacília (Mariana Nunes) ao perder sua filha.

    Essa construção do universo funciona pelo casamento perfeito entre a direção de fotografia do Gustavo Hadba e o trabalho competente de efeitos especiais, que conseguem representar visualmente esses elementos de distopia na composição do "Grande Sertão". Um exemplo perfeito é o muro gigante construído, que separa e isola a comunidade do resto da sociedade, largada com seus problemas e contradições.

    Grande Sertão sofre com sua própria ambição na adaptação, mas acerta ao apostar no teatral

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    Por mais que Grande Sertão seja uma releitura atual da trama, Guel Arraes e Jorge Furtado escolheram manter o texto original de Guimarães Rosa na adaptação, mantendo uma fidelidade nesse aspecto com a obra marcada pela linguagem poética.

    Com isso, a produção tem uma relação bastante conflituosa entre uma abordagem mais realista de cinema para explorar a violência urbana, que flerta com o "favela movie" de filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite, ao mesmo tempo que aposta nessa teatralidade de poesia e fábula presente em Grande Sertão: Veredas.

    Grande Sertão acerta em cheio quando abraça totalmente esse lado teatral, principalmente pela excentricidade dos personagens, interpretados de forma mais caricata pelo elenco, e pelos diálogos poéticos extraídos do livro original. Mesmo com uma construção de universo ambiciosa, o filme não explora tão bem os diferentes lugares que formam o "Grande Sertão" e sua complexidade, focando mais nos cenários menores que envolvem a polícia e os criminosos, não indo muito além desses pontos.

    A direção de Guel Arraes é bastante dinâmica em Grande Sertão e acompanha todas as situações frenéticas, focando nas cenas de ação e de enfrentamento das facções, mas em alguns momentos acaba se perdendo um pouco no caos e com coreografias pouco inspiradas. O diretor de O Auto da Compadecida se sai melhor ao extrair essas atuações mais exageradas e apaixonantes de todo o seu elenco.

    Caio Blat é o coração de Grande Sertão e Eduardo Sterblitch rouba a cena como Diabo

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    Com um elenco formado por diversas estrelas experientes do teatro, televisão e cinema nacional, Grande Sertão chama atenção pela força de seus personagens.

    Quem mais se destaca é Caio Blat como Riobaldo. Ele assume o papel pela terceira vez na carreira – após estrelar a peça e o filme O Diabo na Rua no Meio do Redemunho, que ainda não foi lançado nos cinemas brasileiros, ambos dirigidos por Bia Lessa –, então se mostra bastante confortável na adaptação para passar todas as nuances de seu personagem. O olhar do público passa principalmente pelo olhar e vivências do protagonista, que também é narrador da história, como um professor que entra neste mundo do crime, em contato com suas dores e paixões.

    Falando nisso, sua relação com Diadorim é central para Grande Sertão: Veredas e Luisa Arraes se sai muito bem no papel, especialmente em relação de sua personagem com Riobaldo e como ela trabalha bem essa complexidade das questões de gênero e identidade neste lugar onde a violência e a masculinidade tomam conta de tudo.

    Zé Bebelo (Luis Miranda) e Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi) funcionam bastante como essas figuras de autoridade que tentam estabelecer a ordem e, na realidade, são sintomas da violência urbana. Mas quem rouba a cena mesmo em Grande Sertão é Eduardo Sterblitch como o vilão Hermógenes. Nos últimos anos, o ator já vinha se desafiando além da comédia com papéis diferentes, como na série Os Outros, e aqui ele encarna o Diabo da obra de Guimarães Rosa de maneira exagerada e assustadora, tanto no visual quanto na interpretação, um personagem alimentado pela violência e que se torna símbolo da guerra no filme. Sterblitch passa toda essa insanidade.

    Vale a pena assistir Grande Sertão?

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    Grande Sertão é uma adaptação criativa e ousada de Grande Sertão: Veredas. Os mais puritanos podem torcer o nariz para o filme, mas Guel Arraes e Jorge Furtado fazem uma releitura atual e potente da obra original e sua essência, contextualizando como uma distopia sobre a violência urbana, mas ainda se mantendo fiel ao texto de Guimarães Rosa – por mais que escorregue um pouco na sua própria ambição.

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