Após um hiato de três anos, Sean Baker retorna com Anora, uma obra que reafirma sua habilidade em explorar personagens marginalizados com profundidade e autenticidade. Conhecido por filmes como The Florida Project e Tangerine, Baker utiliza sua assinatura narrativa para capturar as nuances da humanidade, desafiando estereótipos e desconstruindo ideias preconcebidas. Desta vez, ele tem em mãos seu projeto mais ambicioso até então, com uma distribuição internacional robusta e um desempenho impecável de Mikey Madison, que entrega a atuação de sua carreira.
Baker divide Anora em duas metades distintas, mas complementares, cada uma sustentando pilares narrativos que envolvem e surpreendem o espectador. Na primeira metade, o diretor nos apresenta à protagonista Anora, uma dançarina exótica cuja vida gira em torno das complexidades do trabalho sexual e da busca incessante pelo "sonho americano". Aqui, Baker mergulha na vivência de Anora com um olhar afetuoso, mas realista, equilibrando momentos de curtição desenfreada — regados a sexo, bebidas e festas — com uma sutil construção do dilema emocional que ela enfrenta. Essa parte inicial do filme é essencialmente uma ilusão, uma celebração fugaz antes que a narrativa exponha as consequências desse estilo de vida.
A introdução de Ivan, um parceiro aparentemente encantador que oferece a Anora uma chance de viver esse sonho de forma despreocupada, adiciona camadas de ambiguidade à trama. A relação entre eles flutua entre o interesse financeiro e a possibilidade de um vínculo mais profundo, mantendo o público em constante expectativa. Baker também planta indícios sutis do que está por vir, preparando o terreno para uma transição dramática que marca a segunda metade do filme.
Quando a virada ocorre, Anora transforma-se em uma montanha-russa emocional. O ritmo frenético ainda permanece, mas agora com uma narrativa mais introspectiva e dramática, expondo os impactos das escolhas feitas pelos personagens. Baker, no entanto, não se limita ao drama; ele mescla cenas carregadas de peso emocional com momentos de humor e leveza, criando uma experiência cinematográfica equilibrada. A habilidade do diretor em explorar temas sensíveis de forma acessível é um de seus maiores trunfos, e isso é amplificado pela fotografia naturalista de Drew Daniels, que captura os Estados Unidos com um realismo envolvente.
O coração de Anora é, sem dúvida, Mikey Madison. Conhecida por seu papel em Era Uma Vez em Hollywood, Madison entrega uma performance que transita entre a comédia e o drama com notável maestria. Sean Baker, ciente do talento da atriz, constrói o filme em torno de sua personagem, permitindo que Madison brilhe em cada cena. Sua atuação é ao mesmo tempo visceral e sutil, transmitindo emoções complexas sem exageros. Embora os coadjuvantes tenham seus momentos de destaque, é Madison quem carrega o filme, oferecendo uma atuação multifacetada que exige tanto carisma quanto vulnerabilidade.
Outro ponto alto de Anora é a habilidade de Baker em transformar temas potencialmente pesados em algo palatável, sem diluir sua importância. Questões como trabalho sexual, desigualdade social e a busca por validação permeiam o filme, mas são abordadas com delicadeza, permitindo que o público reflita sem se sentir sobrecarregado. Essa abordagem evita o didatismo e reforça a autenticidade da narrativa.
Em resumo, Anora é um filme que cativa, diverte e provoca reflexões profundas. Sean Baker demonstra mais uma vez seu talento para capturar a essência da humanidade em seus aspectos mais contraditórios, entregando uma obra que é tão equilibrada quanto envolvente. Com uma direção segura, uma protagonista arrebatadora e uma narrativa que transita com fluidez entre leveza e impacto, Anora é um triunfo que reafirma Baker como um dos grandes nomes do cinema contemporâneo.