Desagradável surpresa gerada pelas altas expectativas produzidas pela crítica especializada, Anora parece querer brotar de uma ingenuidade incompatível com o nosso tempo. Como se a construção de um roteiro baseado na dura realidade da manipulação hiperssexualizada dos afetos mediada pelo poder econômico, já bastante conhecida e explorada em outras películas, fosse arrebatar a plateia para um mundo novo e promover reflexões profundas sobre a dinâmica social em questão.
Pelo contrário, a linguagem de Sean Baker, que pode parecer uma isca despretensiosamente construída para capturar a empatia da audiência sem criar melodramas baratos, serve, na verdade, como uma barreira emocional de difícil transposição para o espectador acessar a essência do sofrimento físico e psíquico produzido pela forma de vida da protagonista, que parece desfrutar lívida e prazerosamente de seu destino. Mesmo considerando a situação como proposital, para possivelmente promover a reflexão metalinguística da impossibilidade subjetiva do alcance empático do homem-diretor do filme às Anoras, fruto de uma sociedade patriarcal machista e misógina, o minimalismo de Sean Baker na apresentação de pistas para os seus interlocutores faz sua proposição falhar pelo menos para o grande público.
E se a intenção era apenas enfrentar a previsibilidade do insucesso de um relacionamento amoroso entre um personagem da burguesia e outro do proletariado, requentando o tão batido “não materno” na escolha da amada pelo amado, a função política da obra se perdeu na normalização e conformismo dos arranjos sociais perversos, como se a luta por melhores condições de vida fossem irremediavelmente infrutíferas. Isso parece estar justificado na ação de um inimigo estrangeiro, no relacionamento bipolar EUA (Anora) e Rússia (Ivan), postos como vítima e opressor, ou o bem e o mal. Uma obra tediosa, embora histérica, que contribui pouco para os debates sobre a violência de gênero e a necessidade de redistribuição do poder social e econômico em um mundo multipolar globalizado.