Sean Baker, conhecido por sua abordagem realista e observacional, entrega em Anora uma narrativa que transita entre o drama e a comédia, abordando a relação entre classe, imigração e poder com um olhar crítico. A história acompanha Ani, uma stripper uzbeque-americana que se envolve com Vanya, filho de um oligarca russo, desencadeando um drama que expõe as dinâmicas de poder dentro de uma relação aparentemente improvável. O filme foi altamente aclamado, levando a Palma de Ouro em Cannes e garantindo várias indicações ao Oscar, BAFTA e Globo de Ouro. Mas essa aclamação é justificada?
A narrativa de Anora é estruturada como uma fábula moderna, onde um amor aparentemente improvável surge entre duas figuras de realidades opostas. O desenrolar do casamento impulsivo e a subsequente luta entre Ani e a família Zakharov exploram a luta de classes e a ilusão do "sonho americano". Embora Baker seja brilhante ao apresentar personagens marginais sem reduzi-los a estereótipos, a segunda metade do filme perde um pouco da força ao transformar a história em uma sucessão de confrontos previsíveis. O desfecho, por mais impactante que seja, sugere uma resignação que enfraquece a potência da jornada de Ani.
Mikey Madison entrega uma performance digna de prêmios, conferindo a Ani um equilíbrio entre vulnerabilidade e astúcia. Ela captura a ambiguidade da personagem, que oscila entre se aproveitar da situação e ser tragada por um jogo maior do que ela. Mark Eydelshteyn, como Vanya, é eficaz ao retratar um jovem mimado e ingênuo, mas sua atuação carece de camadas mais profundas, tornando a dinâmica entre o casal um pouco desequilibrada. O elenco coadjuvante, especialmente Yura Borisov como Toros, adiciona gravidade e ameaça à trama, elevando os momentos de tensão.
O roteiro de Baker é marcado por um realismo cru e uma naturalidade que dá autenticidade aos personagens. No entanto, a repetição de certas interações, especialmente entre Ani e os antagonistas, pode cansar. O filme brilha quando explora a relação entre Ani e os diversos homens que tentam controlá-la, mas enfraquece ao simplificar o arco de Vanya. A falta de um desenvolvimento mais profundo do protagonista masculino faz com que sua decisão final pareça previsível e, em certo ponto, artificial.
A cinematografia, como é característico de Baker, aposta no realismo e na captura da energia vibrante de Nova York e Las Vegas. A direção de fotografia enfatiza a claustrofobia dos espaços e a iluminação natural reforça o tom documental do filme. A escolha de enquadramentos fechados intensifica a imersão no mundo de Ani, destacando sua luta constante contra as forças que tentam dominá-la.
A trilha sonora é eficaz, mas não memorável. As escolhas musicais complementam a atmosfera do filme sem se sobrepor à história. O uso de silêncio em momentos-chave funciona bem, amplificando a carga emocional de determinadas cenas.
O desfecho de Anora é um dos aspectos mais discutíveis. A escolha de Ani de aceitar a anulação e sua cena final com Igor carregam um simbolismo forte, mas também deixam um gosto amargo. Embora a intenção de Baker seja mostrar a dura realidade de mulheres como Ani, o roteiro poderia ter dado a ela uma resolução menos conformista. No fim, a mensagem do filme pode ser interpretada tanto como um retrato brutal da desigualdade quanto como uma aceitação resignada de um destino predeterminado.
Anora é uma obra relevante e impactante, reafirmando o talento de Sean Baker em contar histórias sobre personagens marginalizados. A atuação de Mikey Madison é o ponto alto do filme, e a direção de Baker continua afiada. No entanto, a previsibilidade de algumas escolhas narrativas e a falta de profundidade no arco de Vanya impedem que o filme atinja um patamar ainda maior.
Ainda assim, Anora se destaca como uma das produções mais autêuticas e instigantes do cinema recente, garantindo seu lugar entre os filmes mais memoráveis de 2024.