Filme “O som do caos” e o som das esferas
O filme “O som do caos” está sendo criticado negativamente, mas o filme leva a temas curiosos, como a vida de um influencer, Matt, e a relação com seu filho bebê, sua esposa Liv e o passado, quando retorna a casa de infância, também o local onde aconteceu um acidente do trabalho, que levou à falência e seu pai tendo demência, de modo que busca solucionar o mistério de descobrir sobre esse acidente, numa trama que mistura o drama e o suspense.
O nome original seia barulho, e o filme tem efeitos em momentos de crise, anunciando um suspense que quase não ocorre até determinado momento, e assim perturba os personagens, em especial o pai e o filho, com a certa demência, tendo visões de fantasmas ou mesmo imaginando túneis e segredos envoltos na fábrica do pai, chegando a ser um tanto um suspense psicológico, sem entregar o óbvio ou vestir clichês. O filme leva a reflexão sobre barulhos na consciência, barulhos na alma, que levam as pessoas a saírem do silêncio do quotidiano.
Na filosofia, Pitágoras falava sobre o som das esferas, uma música dos planetas. Mas também pode ser que seja barulho, ou um som que o vácuo não deixa contemplar. A nossa existência também tem fases entre sons mais festivos, o que Nietzsche chamaria de dionisíaco, ou mais tranquilos, os apolíneos. Platão falava contra o som de flautas, ou alguns instrumentos que levariam a sensualidade.
O filme parece sugerir uma continuação, fica com o final meio aberto, além de deixar o mistério numa resolução que parece ser a demência, ou alucinações, além de que soma a crise com a esposa, com o filho ainda bebê que fica de lado frente a atenção da câmera e da rede social, tema que pode ser discutido em nossa sociedade, onde o virtual, o celular, tomam conta de nossa vida e aprisionam, tema abordado por filósofo Byung-Chul Han.
O filme ainda pode levar a pensar no caos, onde a regra é o aleatório, onde a incerteza pode nos levar a sair do nosso centro. O personagem influencer assim tenta descobrir e ainda revelar para seu público, o que também ocorre em nossa sociedade atual, onde a superexposição e a falta de vida privada ganha cada vez mais a vida das pessoas.
Também o tema da segurança do trabalho, de uma consciência mais humana na fábrica, pode também ganhar relevância, uma vez que muitos trabalhadores sofrem ou até mesmo chegam à fatalidade, na fonte de seu sustento. A vida e a morte alternam em luta, numa dialética existencial que coloca as pessoas em um labirinto. Morrer no trabalho pode ser mais constante, uma vez a idade mínima para se aposentar, e mesmo as fontes de renda serem escassas. O ser humano acaba se alienando no trabalho.
O filme “O som do caos” não é de todo ruim, e em listas de piores filmes, não se encontra ainda selecionado. Muitos filmes criticados ou cancelados em seu tempo, acabam depois se tornando cult. O fato é que o filme sai do óbvio, e assim quem assiste fica confuso, quando a confusão pode ser mesmo a intenção do filme, ou o barulho na percepção ser o destaque, combinado a vida de influencer, de cidade pequena, de um anonimato e ainda na relação de pai e filho, onde os destinos se cruzam e se combinam, mostrando a genética e a forma de pensar de uma tradição. O som do caos pode ser o som das esferas, mostrando o destino revelado pelo barulho dos planetas e sua influência em nossa existência.
Mariano Soltys, filósofo e escritor, autor de Filmes e Filosofia