Moana e Maui surfam em águas rasas em sequência tão deslumbrante quanto simplista
por Diego Souza CarlosExiste uma espécie de maldição nos corredores de Hollywood que vem sendo desafiada à risca por qualquer estúdio que vise lucro acima do espaço criativo (a maioria, na verdade). Trata-se da ideia de que uma sequência dificilmente consegue superar o conteúdo original - algo que, quando feito, é motivo de grande aclamação.
Desviando de qualquer uma dessas expectativas negativas, a Walt Disney tem investido intensamente em continuações. Oito anos depois de uma história que se tornou um verdadeiro hit no serviço de streaming da empresa, Moana 2 chega com a missão de apresentar uma nova aventura para uma das protagonistas mais populares da empresa, com grandes responsabilidades dentro e fora da tela.
Quase uma década após o lançamento do filme que segue tão impressionante quanto no dia um, o intervalo no universo do longa foi um pouco menor. Agora com 19 anos, a heroína polinésia segue um chamado de seus ancestrais de volta a águas perigosas e distantes da Oceania. Ao lado de um grupo improvável de marinheiros, e a ajuda do semideus Maui, ela deve quebrar uma maldição terrível de um deus cruel e com sede de poder.
Nesta sequência, Moana não tem tempo a perder. Desde sua última grande aventura marítima, a jovem se tornou ainda mais relevante nas diversas funções em prol do seu povo. Assumindo a missão de ajudá-los, a partir de sua coragem e conexão com o mar - além do fato de ser, naturalmente, a próxima na hierarquia de liderança -, ela é vista desde o primeiro momento com passos apressados.
Ainda que o ritmo inicial dessa sequência não poupe jogos de cena ágeis em meio aos trechos musicais, é impossível não observar o quão vivas são as paisagens da animação e como cada integrante da tribo Motonui evoca o humor conhecido do estúdio. Se o primeiro filme é conhecido por seu trabalho visual estonteante, a sequência dobra a aposta com precisão. As elogiadas texturas, dos movimentos das águas, da pele dos personagens e dos grãos de areia, seguem vibrantes com uma iluminação que privilegia a coloração de cada detalhe da natureza.
Toda essa beleza exuberante, porém, não evita o caos ao tentar acompanhar tudo o que acontece nos primeiros vinte minutos da produção - e é neste momento em que muitos começarão a ver como o formato inicial deixou uma sombra no corte final. Explico: inicialmente, o projeto começou a ser desenvolvido como uma série, até que os produtores decidiram levar a aventura para as telonas. Assim, na montagem do longa-metragem, é possível notar os blocos do que seriam os episódios do show.
Embora o segmento inicial da história seja corrido, o miolo do filme oferece um assentamento para a trama. Desde o momento em que o grupo disfuncional se reúne em alto mar e a jornada começa, de fato, a narrativa ganha um caráter semelhante ao conteúdo original. Longe de ser um demérito, ainda mais quando subverte histórias apresentadas em 2016, Moana 2 põe a diversão do público à frente do desenvolvimento de sua protagonista.
Agora adulta, a personagem precisa entender qual é o seu verdadeiro papel na própria jornada e como seus atos podem impactar a vida de outros. Neste caso, a possibilidade de conexão do seu povo com outras nações está em jogo. O papel da ancestralidade na construção da heroína segue impecável e, ao fim, é o que movimenta toda a trama. No entanto, uma vez que existem espíritos que trabalham como mentores, há também uma sequência de situações que não permitem que Moana evolua por si só.
A falta de grandes conflitos, e até questionamentos internos, faz com que a protagonista seja levada por uma onda constante de conveniências. Mesmo que a ideia de que “juntos somos mais fortes” e de que a personagem não precisa assumir tudo sozinha, pois tem o apoio de amigos e antepassados, decisões genéricas são colocadas na trilha para chegar a uma conclusão em grande escala. Um espetáculo visual que emociona, mesmo quando não tem tantos fundamentos quando pensamos em quem era a jovem no início do filme e como chega ao fim dele.
Algo que não pode faltar na continuação são as músicas. Marca registrada do estúdio, as canções que embalam a história também fazem parte intrínseca do universo criado em 2016. Desde o início, até mesmo com a faixa principal, é possível sentir que a animação opta por uma outra vertente musical.
A trilha é tomada pelo pop em diferentes facetas. Utilizando instrumentos e referências aos povos da trama e recursos que podem ser ouvidos em qualquer lançamento recente, há mais momentos dançantes, com destaque à música da vilã Matangi e ao número de Maui, que coloca o personagem de Dwayne Johnson (no original) envolto em labaredas enquanto faz um solo de sax com uma concha.
Mesmo que “Além” seja uma ótima escolha de música-tema, que, entoada por Any Gabrielly na versão brasileira, encorpa a aventura de maneira emblemática, as canções não entregam um apelo tão forte e emocional quando postas ao lado do longa original.
Falando especificamente sobre a versão dublada da animação, há um trabalho de localização perspicaz, responsável por captar o dialeto popular da internet com inserções de “o pai tá ON” ou a citação de termos como “e-mail” e “coaching” - ambas com um disclaimer sobre a temporalidade da história. É um esforço para se comunicar com o público-alvo que funciona, mesmo que o excesso e o tempo possam não ser tão gentis com esse recurso.
Por fim, é interessante ver como Moana 2 também é um retrato do nosso tempo. Trata-se de uma história que clama pela união dos povos após um período conturbado. Eis a grande missão da protagonista: acabar com um mal que impede pessoas de diferentes regiões a se encontrarem, trocarem experiências e criarem vínculos. Produzido parcialmente durante o período da pandemia, é também uma analogia que coloca a personagem com o objetivo de vencer o isolamento.
Há sempre possibilidades interessantes, que poderiam oferecer uma trama mais complexa sem deixar o espetáculo de lado. Ainda que falhe em mostrar como a maturidade e as responsabilidades decaem nos ombros da heroína sem a presença de tantos auxílios, o longa diverte, emociona e tem trechos impecáveis quanto à linguagem animada.
Palavras ditas em um bonito diálogo podem ecoar como um lembrete para o futuro da personagem: “a busca por quem somos nunca se encerra”. Dessa forma, podemos esperar novas aventuras deste um universo rico e cheio de personagens cativantes, mas com mergulhos mais profundos ao mostrar como Moana pode se manter como uma das personagens mais queridas da Disney.
Até lá, ao trocar o colorido universo animado pelo live-action, uma nova versão dessa história deve surgir.