Angelina Jolie tem palco para brilhar em Maria Callas, mas filme de Pablo Larraín tropeça nas próprias pernas
por Bruno Botelho dos SantosO diretor chileno Pablo Larraín se tornou um dos nomes mais requisitados do cinema atual, principalmente pelo seu elogiado trabalho nas cinebiografias intimistas de mulheres famosas. Isso aconteceu com Jackie (2016) e Spencer (2021), que renderam indicações ao Oscar para suas protagonistas, Natalie Portman e Kristen Stewart, respectivamente. Quase dez anos depois, ele encerra essa trilogia com Maria Callas (2024), em que Angelina Jolie assume o papel da lendária cantora de ópera.
No longa, acompanhamos a tumultuada, bela e trágica história da soprano greco-americana interpretada por Angelina Jolie e considerada uma das melhores cantoras de ópera da história. O filme retrata o período no qual Maria se refugia em Paris nos anos 70, focando em seus últimos dias de vida enquanto revisita suas memórias, traumas, amigos, amores e voz.
Como já tínhamos visto nos filmes anteriores, Maria Callas não é uma cinebiografia clássica, naquele esquema mais didático que narra a história da protagonista. Na verdade, é um recorte de um período específico, o que joga tanto a favor quanto contra da produção. O roteiro de Steven Knight, criador da série Peaky Blinders, que retoma sua parceria de Spencer com Pablo Larraín, foca em seus últimos dias de vida, explorando a fragilidade da personagem enquanto relembra suas memórias.
Maria Callas abre com uma cena em preto e branco da protagonista de Angelina Jolie cantando “Ave Maria”, uma interpretação famosa da ópera “Otello” de Giuseppe Verdi. Esse começo é impactante e dita o tom fúnebre e trágico que teremos durante suas 2 horas e 4 minutos de duração.
Por mais que Callas tenha sido uma das mais icônicas cantoras de ópera do século 20, Larraín não está tão interessado no ícone da música, mas em Maria. O filme se passa na Paris de 1977, onde ela não desfruta mais do glamour e de seus tempos de glória no auge do sucesso. Reclusa em sua mansão e sofrendo de depressão, a protagonista vive fragilizada, afundada em remédios e com sua voz enfraquecida.
É interessante como o filme retrata Maria Callas praticamente como um fantasma, vagando em sua mansão, assombrada por seu passado. Por mais que o tempo tenha corrido, ela ainda permanece apegada à vontade de ser reconhecida, com uma certa esperança de recuperar sua voz e voltar com suas performances.
Como o vício em remédios lhe causavam alucinações, a narrativa brinca entre o que é realidade e imaginação, com a fantasia literalmente invadindo sua vida – como é o caso do jornalista que se chama Mandrax (Kodi Smit-McPhee), nome de um medicamento que atua como sedativo.
O problema é que, para entender as angústias de Maria Callas, seria importante compreender a grandeza dela enquanto artista. O roteiro de Steven Knight nunca se aprofunda nesses aspectos, reservando apenas algumas cenas para ela se apresentar em flashbacks. Eles são os mesmos usados estrategicamente para relembrar aspectos importantes de sua biografia, os traumas que moldaram sua vida, como a relação tóxica com o milionário grego Aristotle Onassis (Haluk Bilginer).
Assim, não há tanta informação para as pessoas que pouco sabem sobre a história e a carreira de Callas. Isso não seria necessariamente um problema, se não fosse pela pretensão do longa em abordar o final trágico dessa artista.
Uma das maiores estrelas de Hollywood nas últimas décadas, Angelina Jolie faz seu grande retorno ao cinema com Maria Callas, levando em conta que seu último trabalho nas telonas antes desse foi Eternos (2021) no Universo Cinematográfico Marvel. Para isso, ela passou por uma longa preparação para se transformar em Maria Callas, com quase sete meses treinando para cantar ópera.
No filme, a voz da atriz é misturada na mixagem com performances da cantora na vida real, o que infelizmente causa estranhamento em algumas cenas nas quais Jolie cantando não parece refletir toda a potência da voz de Callas – quase como se não estivessem sincronizadas.
Com ajuda de um trabalho deslumbrante da direção de arte de Tom Brown, Bence Erdelyi e Attila Illés, assim como a direção de fotografia de Edward Lachman, Pablo Larraín transforma a mansão de Maria Callas em um verdadeiro palco para Angelina Jolie brilhar – refletindo seu estado de saúde mental, onde seu passado começa a moldar sua realidade.
A atriz reflete muito bem a imponência, arrogância e insegurança da personagem, mas toda essa preocupação estética da produção cria um certo distanciamento entre ela e o público. O roteiro tem a intenção de entrar em seu íntimo, mas fica mecânico e engessado em alguns momentos.
O principal problema é que Pablo Larraín às vezes parece tão preocupado com os aspectos técnicos do filme, que cai em uma monotonia narrativa, batendo nos mesmos tópicos sem se aprofundar de uma maneira mais sensível em quem realmente era Maria Callas. Os momentos mais genuínos partem de sua relação com seus empregados, Bruna (Alba Rohrwacher) e Ferruccio (Pierfrancesco Favino).
Seguindo os passos de Jackie e Spencer, Maria Callas é mais uma cinebiografia de Pablo Larraín que entra no íntimo de uma mulher famosa. Por mais que não seja tão impactante quanto os anteriores, o filme é bastante eficiente em construir esse cenário trágico da protagonista, representada como um fantasma assombrada pelas glórias e traumas de seu passado.
Angelina Jolie entrega uma atuação imponente, entre fragilidades e arrogância, mas que é afetada pela obsessão do diretor por aspectos técnicos enquanto poderia explorar mais profundamente a intimidade da protagonista. Maria Callas tropeça um pouco em suas próprias pernas, mas é um retrato honesto sobre a tragédia que é viver dolorosamente no passado.
Filme assistido na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo