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    Noites Alienígenas
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Noites Alienígenas

    Você conhece seu próprio país?

    por Aline Pereira

    A 50ª edição do Festival de Gramado, em 2022, foi um marco na história do cinema brasileiro ao apresentar uma pluralidade de vozes, que culminou com a premiação de uma realidade que a imensa maioria do país não conhece ou sobre a qual sabe muito pouco. Noites Alienígenas foi o grande destaque do evento e saiu de lá com nada menos do que seis prêmios, incluindo Melhor Filme e Melhor Ator - nenhum deles foi à toa. O longa do diretor Sérgio de Carvalho combina a habilidade artística a uma relevância inquestionável que o torna uma obra para não ser mais esquecida. 

    Noites Alienígenas tem como protagonista Rivelino (o novato Gabriel Knox, premiado como Melhor Ator), um jovem da periferia do Amazonas, e apresenta o traficante Alê (Chico Diaz), uma figura excêntrica e que, de alguma forma, mantém princípios fortes em seus negócios ilegais. Apesar da conexão, a relação entre os dois começa a desandar em um determinado momento de divergência, o que empurra Rivelino em direção as uma realidade ainda mais perigosa no universo das facções criminais. 

    Fazem parte da história também Sandra (interpretada pela vencedora do Big Brother Brasil 18 Gleici Damasceno) e Paulo (Adanilo Reis, ator de ascendência indígena também vencedor de uma menção honrosa no Festival de Gramado 2022). Os dois têm um filho ainda pequeno e enfrentam não só uma realidade dura, mas também uma relação difícil, causada especialmente pela dependência química de Paulo, que o coloca na mira implacável de traficantes da região e que parece um beco sem saída, sem possibilidade de recuperação. É desesperador de se assistir.

    Noites Alienígenas expõe realidade que o Brasil não conhece 

    Assim, trata-se de um filme de sobrevivência. Cada um à sua própria maneira - mas com conexões entre eles - os três jovens acreanos precisam encontrar meios de se proteger. É com esta jornada que Noites Alienígenas vira os holofotes em direção à uma parte do Brasil que, muitas vezes, parece estar fora do mapa para boa parte dos outros cidadãos do país. “O Acre e o cinema do Acre existem, mas a gente sente como se fosse um álbum de família: estamos sempre ali no canto, dizendo ‘também estou aqui’”, explicou a produtora do longa, Karla Martins, ao receber o prêmio no palco do Festival de Gramado. 

    A história de Rivelino ilustra os impactos gigantes e terríveis da presença de facções criminosas que migraram e se expandiram, principalmente, do sudeste do país à região amazônica. A entrada massiva do do crime organizado e do tráfico de drogas intensificaram uma violência que mata, que afeta diretamente o dia a dia da população urbana, e vai ainda além das fronteiras florestais. Em quem está assistindo e não está por dentro destas informações, Noites Alienígenas provoca uma mistura de sensação de sufocamento e aquele tipo de surpresa que faz sentir que deveríamos estar mais atentos e que aponta para o desconhecimento.

    Realismo fantástico faz do filme uma “aventura” 

    Embora o longa toque fundo em feridas muito reais, há também um ar místico e fantástico na história que torna Noites Alienígenas interessante artisticamente, como uma boa obra de ficção. Assim como Marte Um, que recebeu o prêmio do júri popular na mesma edição do Festival, o filme traz uma temática espacial e cósmica que conecta uma história “individual” (se é que podemos colocar assim) ao todo. O personagem do Chico Diaz traz suas reflexões sobre “a vida, o universo e tudo mais” em que questiona conceitos sociais, propósitos de vida e qualquer forma muito pragmática de enxergar o mundo, enquanto Rivelino puxa essa “viagem” um pouco mais ao mundo real, com questionamentos que têm também a energia caótica da juventude. 

    Assim, realismo e fantasia formam uma boa combinação de cores, sons e ritmos que tornam Noites Alienígenas uma história bem lúdica. Aqui vale ressaltar também o encanto com as tradições indígenas abordadas ao longo da história por meio da trama de Paulo, que fala sobre sua ancestralidade e costumes de sua família com uma beleza impressionante.  

    Filme tem atuações que surpreendem 

    Faz todo sentido que Noites Alienígenas tenha recebido três prêmios de atuação e uma menção honrosa - o filme surpreende ao apresentar rostos novos e outros já conhecidos de forma bem elaborada e com bons personagens. Chico Diaz é, sem dúvidas, um dos principais nomes da dramaturgia brasileira e é notável a habilidade para contar histórias com naturalidade e com uma entrega que fica nítida e que o torna um artista que temos prazer em assistir. Alê, no filme, é a figura de um "guru" pouco convencional que parece ser realmente convicto de tudo o que diz, confiante até mesmo quando não sabe exatamente o que fazer. 

    O acreano Gabriel Knox, por sua vez, certamente traz para seu trabalho como ator o conhecimento e familiaridade com a realidade que está representando - e entende a responsabilidade que isso significa. Além disso, também é cantor e compositor, habilidades bastante aproveitadas por Noites Alienígenas: o rap cantado por Rivelino na história causa um impacto que talvez só seja possível sentir através da música. É hipnotizante. 

    Se há um "tropeço" um pouco mais visível na história talvez seja a dinâmica entre o trio de amigos, cuja profundidade das relações não fica muito clara. Embora os personagens funcionem muito bem individualmente, fica difícil entender e comprar as conexões mais pessoais que eles compartilham. No fim das contas, esse relacionamento prévio entre eles não parece ter tanta importância assim e as escolhas que fazem parecem estar muito mais relacionadas às suas vivências individuais do que a um senso de “grupo” entre eles. 

    Noites Alienígenas merece sua consagração como obra pioneira, que tem coragem e certeza do recado que quer passar. As críticas que faz parecem, sobretudo, um convite sensível, honesto e urgente à importância de se dar atenção a problemas e pessoas muitas vezes isolados, mas que são parte do passado, do presente e que, frente à ignorância (em seu sentido mais essencial), ainda precisam fazer força para garantir seu futuro. 

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