Apesar do esforço de sua atriz principal, falta inspiração ao filme sobre Amy Winehouse
por Aline Pereira“A responsabilidade é minha e você não me deve nada, mas não sou capaz de ir embora”, canta Amy Winehouse em Tears Dry On Their Own, uma das muitas canções que a consagraram como uma das maiores artistas de sua geração – e das que vieram antes também, é verdade. O trecho, que aparece em um momento importante de Back to Black, dá o tom da cinebiografia assinada por Sam Taylor-Johnson (Cinquenta Tons de Cinza), pouco inspirada para o brilhantismo e grandeza de sua estrela.
Com uma passagem (muito) breve pela adolescência de Amy Winehouse nos primeiros minutos, Back to Black explora a história de sua protagonista a partir de sua ascensão musical até os eventos que antecederam sua morte trágica e precoce em 2011, com apenas 27 anos de idade. Na trama, passamos pelos primeiros contratos profissionais da artista, consolidação de sua persona, expansão internacional de sua carreira e, em especial, o conturbado relacionamento com o ex-marido, Blake Fielder-Civil.
O primeiro pensamento que me veio à mente ao entender como o filme decidiu retratar seus personagens foi “a família dela deve ter tido uma mão muito mais pesada e decisiva do que eu imaginava aqui”. Tanto Blake, quanto Mitchell Winehouse, pai de Amy, aparecem sob uma luz muito mais positiva – se é que dá para colocar assim – do que o que se firmou como conhecimento “comum” sobre os dois.
Digo isso não apenas recordando notícias e especulações que vieram após sua morte, mas pensando principalmente no excepcional documentário Amy, de 2015 - a comparação na memória é inevitável. Na obra lançada poucos anos após a morte da cantora, o cineasta Asif Kapadia reuniu diversos depoimentos de pessoas próximas, registros de bastidores e gravações pessoais que nos dão uma ideia da complexidade daquela história, da dependência química à perda de privacidade que vieram com a fama. Neste contexto, o papel do pai e do ex-marido são questionados – importante reforçar: não no sentido de apontar culpados, mas de refletir sobre relações.
Tendo em mente que se trata de uma ficção baseada em uma história real muito recente, é difícil engolir personagens simples demais. Embora contem com performances carismáticas de Jack O’Connell (O Amante de Lady Chatterley) e Eddie Marsan (Magnatas do Crime), as representações de Blake e Mitchell parecem ter medo de explorar qualquer controvérsia e Back to Black nada em águas rasas: um pai que fez o que podia e um marido enfrentando problemas tão severos quanto os de Amy. Evitando conectá-los diretamente ao fim de Amy (ok, tudo bem, não acho que seria razoável empurrar a história para esse lado), o longa perde a oportunidade de debater o peso das ligações emocionais e da individualidade na trajetória de sua protagonista.
Assim que acontece o primeiro encontro entre Amy e Blake em um bar, em que o encantamento dela já anuncia a intensidade do que virá a seguir, o principal foco do longa passa a ser aquele obscuro romance. Fosse na história de outra artista, a divisão dos holofotes poderia ser um problema maior, mas Back to Black é firme em seu propósito de retratar como o relacionamento com Blake foi um divisor de águas na vida de Amy: no desequilíbrio das idas e vindas, no uso cada vez mais recorrentes de drogas cada vez mais pesadas e na composição do álbum que a tornou uma das artistas mais premiadas da história e que dá nome ao filme.
Ao contar a história a partir da perspectiva de Amy, o longa não nos poupa do sofrimento sem fim e há uma química tóxica entre os dois que consegue exprimir em tela a angústia da protagonista. Tudo fica ainda mais terrível nos breves momentos em que Amy fala da vontade de ser mãe e construir uma família ao lado de Blake – um desejo que, ela sabia, nunca seria realizado. O grande gargalo é que falta profundidade do outro lado.
Novamente: é válido, enquanto escolha artística, que o filme queira atribuir responsabilidades a Amy, mas é incômoda a passividade do companheiro. Não parece muito realista e deixa buracos na história: o relacionamento entre Amy e Blake é, sim, um ponto interessante de atenção por sua natureza muito particular, mas faltou um olhar mais atento aos detalhes que justificariam melhor essa importância.
Quando qualquer cinebiografia é anunciada, a curiosidade pela performance do ator principal é imediata e, não à toa, os olhares são ainda mais atentos quando se trata de ícones como Amy Winehouse. Marisa Abela, escolhida para o papel, acerta mais do que erra – em uma escala entre Bohemian Rhapsody e Rocketman, diria que ela se aproxima mais da interpretação de Elton John. O carisma de Amy Winehouse é incomparável e Marisa não chega lá, mas há uma dedicação e delicadeza em seu trabalho que me despertaram simpatia.
Ainda que deslize na caricatura dos trejeitos de Amy, Marisa Abela faz um bom trabalho no que diz respeito a entender a melancolia de sua personagem. No fim, fica a sensação de que as falhas estão muito mais ligadas a decisões de direção e de um roteiro picotado que deixa de lado momentos importantes da vida da cantora – que, por sua vez, dariam à atriz mais material para explorar.
Se por um lado, são tocantes os momentos em que Back to Black se aproxima mais de sua protagonista – no relacionamento importante com a avó ou no significado das tatuagens e do cabelo que se tornaram marca de Amy –, por outro, falta a originalidade e a personalidade que fizeram da cantora uma figura tão importante para a música.
Direção e roteiro exploram pouco a genialidade artística e o peso da relevância que Amy atingiu em um período de tempo relativamente curto, bem como a angústia da cantora com a presença constante de paparazzi, uma parte, aliás, muito importante na relação predatória estabelecida com a mídia.
Para quem é fã, Back to Black deve deixar algum amargor. Para aqueles que não conheciam muito a fundo a história de Amy Winehouse, espero que o longa sirva como porta de entrada para relembrá-la e manter viva a memória de uma artista que perdemos cedo demais.