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    Nosso Sonho
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Nosso Sonho

    Só Love, Só Love...

    por Nathalia Jesus

    Adjudicar [verbo]: conceder a quem tem direito, atribuir, entregar, passar a possuir uma ligação ou vínculo com outra coisa, ou pessoa… e por aí, vai!

    Claudinho & Buchecha colocou um termo jurídico na boca de milhares de brasileiros em um dos maiores hits de sua carreira e adoçou a palavra ao misturá-la com juras de amor no funk melody “Nosso Sonho”. Não é muito difícil imaginar o motivo deste ter sido o título da cinebiografia da dupla, lindamente estrelada por Juan Paiva e Lucas Penteado.

    Antes, o duo trabalhou junto no elenco de Malhação: Viva a Diferença (2017) e, aqui, se encontra novamente, nas peles de Buchecha e Claudinho, respectivamente. No filme biográfico, acompanhamos os cantores em seus primeiros anos de vida, em que já eram uma dupla de amigos antes mesmo de “agitar o mundo” com o “Rap do Salgueiro”, trabalho criado para um concurso de música e que os levou ao estrelato.

    Além disso, o longa-metragem pincela a vida pessoal dos cantores, cuja família e namoradas — que se tornaram suas futuras esposas e mães de seus filhos — foram um alicerce tão importante quanto conflituoso para mantê-los funcionando enquanto artistas. O senso de pertencimento da dupla com as pessoas e o lugar em que viviam — Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro — também foi essencial para que eles se desenvolvessem musicalmente e isso nos leva, inevitavelmente, à história do funk carioca.

    Buchecha COM Claudinho em boa parte do filme

    Nosso Sonho coloca o espectador como testemunha de uma das amizades mais bonitas no meio artístico e, apesar de parecer uma conexão de outro mundo, também é tão crível e possível de acontecer ou já ter acontecido em qualquer outra relação entre amigos. São dois rapazes que se adoravam desde a infância e, juntos, sonhavam com um futuro melhor, até que os objetivos profissionais de ambos se alinharam por meio de uma oportunidade única. Esta última parte é um pouco menos recorrente em vidas comuns, porque envolve um tipo de convicção tão intuitiva e sólida de Claudinho que, conforme o filme nos conta, nem Buchecha compreendia, a princípio.

    Para desenvolver essa amizade, Juan Paiva e Lucas Penteado pareciam tão confortáveis em seus papéis, com uma química tão boa em tela, que é quase como se tivessem se preparado para esse momento por uma vida inteira. O primeiro, que já tinha explorado certo teor dramático em produções como M8 - Quando a Morte Socorre a Vida e Um Lugar ao Sol, foi um Buchecha pé no chão, assombrado pela instabilidade e com muito respeito pela música. Enquanto isso, o segundo é muito carismático e detalhista em sua atuação — e a língua presa de Claudinho que o diga.

    Além do talento da dupla e do bom desempenho de seus colegas de cena como Clara MonekeLellê e Nando Cunha, é impossível não mencionar o quão bem ambientada é a produção. O trabalho de arte e figurino não decepcionaram em nos transportar aos berços do funk carioca, ao sentimento gostoso de ouvir aquelas músicas tocando em festas do bairro, e, principalmente, em transformar os jovens sonhadores em Claudinho & Buchecha. É quase surreal ver a imagem dos dois se construindo aos poucos para o espectador, chegando a ser assustador o quanto Juan Paiva passa a aparentar exatamente como Buchecha da metade para o final do filme.

    O que Nosso Sonho não conseguiu captar com tanta profundidade foi a história pessoal de Claudinho. Não é necessariamente algo que incomoda tanto quando o duo começa a parecer uma única célula, mas, ao mesmo tempo, essa ausência gera curiosidade genuína a quem — como eu — era uma criança muito nova no ano em que o cantor faleceu. É uma falta justificável por diversos fatores, obviamente. Em uma produção biográfica, nem tudo depende apenas da vontade e das ideias dos realizadores, mas seria interessante ver o personagem de Lucas Penteado mais como um indivíduo e menos como a dupla de Buchecha.

    De qualquer forma, o longa-metragem deixa ótimas impressões. Tire da mente qualquer história triste de superação e dificuldades na indústria musical: Nosso Sonho é emocionante, de fato, mas as lágrimas derramadas ao longo da trama dificilmente vão representar sentimentos ruins. O filme é tão dinâmico e divertido que te faz sorrir, cantar baixinho e contar o tanto de hits que você conhece da dupla. É significativo, mas leve de assistir — mesmo que já saibamos da tragédia real que nos espera em algum momento.

    Nosso Sonho é maior do que imaginamos

    O cinema nacional já nos presenteou com biografias de grandes artistas do rock e MPB, como Cazuza — O Tempo Não Para (2004), Elis (2016), Tim Maia (2014) e Minha Fama de Mau (2019). Também tivemos homenagens à música sertaneja em Dois Filhos de Francisco (2005) e Gonzaga: De Pai Pra Filho (2012). Filmes como esses tiveram forte apelo para o público brasileiro que tem interesse em se aprofundar nas histórias de seus heróis e ícones culturais. Agora, Nosso Sonho chega a esta safra de cinebiografias com ainda mais significado.

    Dos títulos citados anteriormente, muitos brasileiros devem ter assistido a um ou outro — senão todos — ou pelo menos ouvido falar sobre. Vasculhando a memória por cerca de trinta minutos, a crítica que vos escreve não conseguiu lembrar de nenhuma cinebiografia que retratasse a vida e carreira de cantores de funk. Ao checar no banco de dados do próprio site e em outros buscadores, o resultado não foi muito diferente.

    O filme coloca o funk em evidência nas telonas em um ano difícil em que perdemos, num curto espaço de tempo, pioneiros como MC Marcinho e MC Katia, pouquíssimos anos após ídolos como Mr. Catra e MC Sapão também nos deixarem. Nosso Sonho não é um documentário, é uma biografia, com dramatização e as demais características que a inserem neste gênero, e é uma daquelas que tem potencial de ser lembrada com facilidade pelo público quando falarmos sobre cantores brasileiros nos cinemas.

    O longa-metragem de Eduardo Albergaria nos leva de volta aos anos 90 e ao início dos 2000, invadindo o espectador de nostalgia daquela época, daqueles palcos da Furacão 2000 repletos de caixas de som estouradas e, principalmente, do cenário musical que foi e continua sendo tão característico do Rio de Janeiro. É um afago não somente para os apaixonados pelo funk carioca, mas aos brasileiros que, mesmo imperceptivelmente, anseiam em se ver nas telas. O filme ressoa até em quem nem era tão fã do ritmo, mas sabe cantar os maiores hits de Claudinho & Buchecha — dupla que, definitivamente, estourou a bolha e adjudicou imponentes contribuições à música brasileira.

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