Sorria (Smile)
"Sorria" é escrito e dirigido por Parker Finn em sua estreia na direção de longas-metragens, baseado em seu curta-metragem de 2020, "Laura Has not Slept". É estrelado por Sosie Bacon como uma terapeuta chamada Rose Cotter, que, após testemunhar o bizarro suicídio de um paciente, passa por experiências cada vez mais perturbadoras e assustadoras, levando-a a acreditar que o que está vivenciando é sobrenatural.
Temos aqui a nova aposta da Paramount na intenção de criar uma nova franquia de terror. Muito dessa questão também se deve ao fato do filme ter ido super bem nas bilheterias, arrecadando $ 216 milhões em todo o mundo contra um orçamento de $ 17 milhões. Ou seja, mesmo sem um grande elenco (além da Sosie Bacon), o estúdio fez um grande trabalho de marketing para divulgar sua nova produção. Para promover o filme antes do lançamento, os produtores começaram a colocar pessoas aleatórias em diferentes ambientes públicos exibindo o sorriso perturbador do filme, inclusive atrás da home plate em vários jogos da Major League Baseball e até mesmo durante uma transmissão do "Good Morning America" da ABC.
Logo todo esse trabalho de divulgação transformou o filme em uma nova febre na internet, pois a principio a Paramount originalmente fez o longa-metragem como um filme de streaming e planejava estreá-lo apenas no Paramount +. Mas o filme foi exibido para o público de teste e as pontuações foram ainda mais altas do que o previsto, levando a Paramount a dar ao filme um lançamento nos Estados Unidos. O que um grande trabalho de marketing não faz.
Mesmo sem experiências em longas-metragens, o diretor Parker Finn mostra toda sua autenticidade na estética de criar cenas apavorantes, intrigantes, que mexem com o nosso psicológico e nos perturba em determinados pontos. Por outro lado eu acredito que a sua falta de experiência implica diretamente em sua forma adotada na hora de nos confrontar com sua história, por me parecer que ele ainda não encontrou o seu estilo próprio e acaba ficando perdido em sua própria trama.
Eu divido o filme em duas partes distintas; a primeira hora que é muito boa e a segunda hora que é totalmente trágica.
A forma como Parker Finn decide começar a abordar a sua história é perfeita, por nos passar uma trama que navega no terror sobrenatural, no suspense psicológico, que flerta diretamente com o mistério, com o lúdico, com o oculto, algo mais ligado com a relação da mente humana e suas variações perturbadoras, e as causas que isso podem implicar em cada um. Pois de fato o longa começa como um terror psicológico ligado ao luto, a superação e doenças mentais. Um dos traumas da protagonista é exatamente ter presenciado o suicídio da própria mãe quando era criança. Ela faz de tudo para seguir em frente, inclusive ser tornar médica para ajudar outras pessoas a enfrentar situações como a que ela passou.
Realmente a premissa é muito boa e muito instigante, pois todo tratamento que o roteiro decide nos envolver condiz com cada fato bizarro que acontece após o choque da protagonista com o suicídio da vítima. E partindo do princípio do trauma que a protagonista sofreu quando criança, isso passa a ser base de justificativas das pessoas ao seu redor para seu provável estado de perturbação e loucura. Este é um ponto bastante incisivo na história, o fato de começarmos a lidar com o surto psicótico, com a perda da sanidade mental, tudo sendo progressivamente bem dosado em cada parte da história.
Porém, na segunda parte do filme é onde o roteiro desanda, o diretor perde a mão e a qualidade despenca drasticamente. Toda ambientação misteriosa e psicológica que foi muito bem utilizada na primeira parte é deixado de lado para dar espaço para o terror genérico. Pois como acompanhamos: o longa conta a história de uma maldição que assombra suas vítimas se manifestando através de um sorriso assustador. Quando estamos nos encaminhando para o final, esperamos que a protagonista se liberte da entidade, ou ainda escolha assassinar alguém antes que a maldição a faça cometer suicídio. De certa forma, até podemos teorizar que devido à sua diferença de comportamento, a entidade é um colecionador de almas, consumindo rapidamente suas vítimas e passando para a próxima, só ganhando mais força com cada uma (algo no estilo do filme "Corrente do Mal").
Dessa forma eu acredito que o diretor inicialmente quis construir uma atmosfera mais misteriosa e mais psicológica para nos ambientar sobre a proposta da sua entidade, porém na segunda parte ele já desisti do psicológico e do misterioso para entrar de cabeça no clichezão, no terror genérico, no terror pastelão. Por isso eu reitero que o diretor ainda não se decidiu em qual estilo adotar dentro do subgênero terror, pois enquanto seu estilo ainda estava no terreno do sobrenatural, do suspense, do psicológico, ainda estava aceitável, mas logo após ele perde a mão e começa a adotar a forçação de barra em cima dos jumpscare, das aparições de figuras demoníacas afim de forçar o susto gratuito, de impressionar.
É realmente incrível como o filme perde toda a sua relevância na segunda hora, como ele passa a usar uma máscara de terror psicológico quando na verdade não passa de um terror genérico que se disfarça de sobrenatural. Sem falar do pouco (ou nenhum) desenvolvimento sobre a mitologia da maldição, como no caso dos sorrisos e de toda parte mística que se criou em volta da história. Outro ponto: o roteiro embarriga demais pra contar uma história simples e bem aquém do foi proposto incialmente. Aquele típico encheção de linguiça, onde 1h30m era mais do que suficiente para o desenrolar desse roteiro pífio e genérico. Por falar em genérico, seria completamente impossível não mencionar as inúmeras semelhanças de "Sorria" com os filmes "Corrente do Mal" e "O Chamado".
Sosie Bacon (a filha de Kevin Bacon que recentemente esteve na série da HBO Max "Mare of Easttown") traz uma personagem que possui seus traumas de infância e luta diariamente contra eles. Rose é uma psicóloga que inicialmente tenta se manter centrada em sua função perante sua paciente, mas aos poucos vamos acompanhando a sua degradação psicológica, a perda da sua sanidade, se tornando uma pessoa mentalmente desequilibrada e aterrorizada. Sosie Bacon tem uma atuação ok, nada surpreendente ou fora do comum, apenas uma atuação ok que condiz com a proposta imposta pelo roteiro. Dentro dessas condições ela segura bem a sua personagem.
Quem me chamou muito atenção foi a participação da atriz Caitlin Stasey (da série "Please Like Me"). Aquela cena inicial me surpreendeu pela sua interpretação tenebrosa, sádica e maquiavélica, principalmente com aquele sorriso maligno estampado em seu rosto - sensacional!
Por fim: "Sorria" é mais um filme de terror com um grande potencial completamente desperdiçado e subaproveitado. O longa parte de uma premissa muito interessante ao abordar um terror sobrenatural envolto em um suspense psicológico, mas tenta ser mais do que pode ao usar o terror psicológico como metáfora para mascarar um terror genérico e pastelão afim de impressionar e causar medos reais. Aquela típica Coca-Cola de 3L, que começa boa mas na metade já perdeu completamente o gás. [05/01/2023]