Mississipi em Chamas, realizado em 1988, trata do assassinato de três ativistas, um deles negro, dos direitos humanos no Sul dos Estados Unidos por remanescentes da KKK (KU KLUX KLAN) na década de sessenta. As vítimas são jovens militantes; o crime agita assim a imaginação do povo e o governo federal é obrigado a intervir. O FBI é convocado para conduzir as investigações através da pele de Willem Dafoe, auxiliado por um agente local que conhece bem a região personificado por Gene Hackman. O primeiro conflito estabelecido é o daquele velho chavão da cooperação entre dois policiais completamente diferentes que tem de se suportar até cada um descobrir o valor do outro e passarem a colaborar efetivamente. Dafoe é o policial certinho e acadêmico que quer resolver tudo através da mais estrita legalidade e da utilização de aparato técnico e científico. Hackman é o típico matuto, conhecedor da sua terra e da sua gente. Indiferente a todo aquele aparato, ele vai recolhendo informações através de conversas informais nos bares, nas ruas até que, em um salão de cabeleireiros conhece uma mulher que depois descobre ser esposa de um dos principais líderes racistas. O segundo conflito fica sendo, então, o interesse amoroso entre o policial durão e charmoso e aquela mulher submissa que tem medo de se libertar daquela vida. O conflito maior logicamente é a rivalidade entre o policial bonzinho e o violento. Apresentados os personagens, reconhecidos os conflitos, faz-se necessário o ponto de virada, aquele que dá uma guinada geral para toda a história e a leva para o final. Dafoe, finalmente reconhece que seus métodos não estão levando a nada e fica revoltado com a surra que a mulher recebe do marido quando este desconfia de que ela está passando informações para a polícia. Passa o bastão para Hackman que, afinal, usa o aparato do FBI para pressionar de forma dura os bandidos e fazer com que caiam em armadilhas não muito legais. Será que é muito difícil prever o final? Mississipi em Chamas é um filme muito bom: a direção é forte e segura, o roteiro é bem escrito e emocionante, os atores são espetaculares. Parker conduz muito bem a trama, chegamos a sentir verdadeiro ódio pelos brancos filhos da puta e, para realçar o sadismo dos racistas, recheia o filme de cenas de violência. Porém, e é esta a questão que eu gostaria de ressaltar: é um filme anti-racista? A resposta é: sim e não. Se, por um lado, é uma contundente denúncia das atrocidades racistas, por outro, a forma como ele realiza esta denúncia é, em si mesma, racista. Em primeiro lugar, a ação se passa no começo da década de sessenta e é interessante observar o que o filme NÃO mostra: justamente o início dos grandes processos de mobilização negra que à época e em todos os Estados Unidos já estavam eclodindo. Os negros de Parker são uma massa amorfa e sem personalidade, que sofre quieta, com pouquíssimas reações e sem resultado. A investigação, portanto, é conduzida, levada, resolvida e concluída por brancos de uma entidade governamental, o FBI, que vamos e convenhamos, nunca primou exatamente pela resolução de conflitos sociais. Mas, o que me parece mais claro é o momento de revolta do jovem policial idealista interpretado por Dafoe. Depois de passar dias e dias observando os negros sendo discriminados, espancados, igrejas sendo queimadas, enforcamentos assinados com a tradicional cruz em chamas enterrada de ponta-cabeça no chão, ele só percebe realmente o quanto o mundo é cruel e violento quando a mulher (branca) é espancada pelo marido-cafajeste. Caem, portanto, as últimas ilusões do protagonista. Podem cair, também, as expectativas do público da mensagem de Parker que substitui um racismo do tipo "olha como o negro é inferior e portanto deve ser maltratado" pelo tipo paternalista que diz "olha como uma parte dos brancos é malvada e como os negros são vítimas e, portanto, devem ser protegidos".