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    Saltburn
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Saltburn

    O Talentoso Oliver

    por Rafael Felizardo

    Em 2020, chegou aos cinemas mundiais, Bela Vingança, um longa-metragem amplamente provocante que acabou aclamado pela crítica especializada. Com direção assinada por Emerald Fennell, a obra traçou um árduo caminho até o Oscar, beliscando a estatueta dourada de Melhor Roteiro Original.

    Três anos depois, a diretora retorna aos holofotes hollywoodianos com Saltburn, uma produção que tenta ser ainda mais ousada do que a primeira citada, mas que para alguns pode deixar o gostinho de ser apenas uma reprodução de nível inferior do cultuado, O Talentoso Ripley.

    O PROBLEMA DO VASO DE PORCELANA

    Ambientado nos anos 2000, Saltburn acompanha o estudante Oliver Quick (Barry Keoghan), um jovem com dificuldade para se encaixar na Universidade de Oxford. Após conhecer Felix Catton (Jacob Elordi), Oliver é imediatamente atraído pelo mundo aristocrático do rapaz - que convida o nosso protagonista para passar uma temporada na mansão de sua família. Assim, o que começa como uma amizade aparentemente inocente, logo escalona para uma crescente obsessão, lotada de mentiras, perseguições e talvez coisa pior.

    Amazon MGM Studios Distribution

    Para começar, acho válido colocar que Saltburn, indubitavelmente, é um bom longa-metragem. Mesmo com a impressão de ter bebido mais do que deveria em O Talentoso Ripley, a obra consegue se estabelecer como um cativante filme “eat the rich”, juntando-se ao universo de Parasita, Triângulo da Tristeza e O Menu para criticar o estado pós-moderno do capitalismo.

    O grande problema do filme se dá quando o mesmo tenta explicar em excesso os atos de Oliver, apostando em elementos previsíveis e flashbacks desnecessários para situar o espectador. Saltburn, infelizmente, faz parecer que determinadas sequências de seu enredo são uma grande surpresa, mesmo que estivessem claras a todo tempo, até para a mais desatenta das audiências. Se até certo ponto a obra desfila de maneira sólida, a partir do terceiro ato, o nível decai, não o suficiente para quebrar a imersão, mas ainda assim, incomodando.

    Tirando isso, o longa se desenvolve como uma sátira ácida, que usa de diálogos afiados e tomadas repugnantes para empregar efetivamente o seu tom. De certa forma, Saltburn me passa a ideia de um vaso de porcelana, onde apesar de muito bonito, e estimado, ainda assim há uma fragilidade que teima em transparecer.

    SALTBURN CONTA COM ATUAÇÕES BRILHANTES

    Se o roteiro do longa é inconstante, o elenco é luxuosamente impecável. Barry Keoghan é um dos grandes nomes da indústria cinematográfica atual e justifica sua presença com mais uma atuação de gala. Se em Os Banshees de Inisherin, O Sacrifício do Cervo Sagrado e Calm With Horses ele já havia mostrado suas credenciais, a nominação ao Globo de Ouro 2024 com Saltburn não se dá por acaso, entregando um trabalho que o condiciona ao patamar de “melhor ator para personagens perturbados” de Hollywood, hoje.

    De maneira poderosa, o astro dá vida a um personagem que mesmo não sendo tão complexo quanto o tentado por Fennell, ainda assim domina a tela, apoiado nos maneirismos de um ator com forte assinatura autoral e que tem ciência do seu talento.

    Da mesma forma, Rosamund Pike abraça Saltburn com uma atuação brilhante, vivendo, nele, Elspeth Catton, a aristocrática mãe de Felix e dona dos melhores diálogos da trama. Para os entusiastas das citações cinematográficas, basicamente quase toda frase que sai da boca da mulher é uma obra de arte, desde um discurso de cunho narcísico sobre seus dias de modelo, até um ácido “tudo por atenção” após uma tragédia acontecer com uma amiga (brevemente interpretada por Carey Mulligan).

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    Não posso deixar de falar também de Richard E. Grant e Archie Madekwe, engrenagens de um magnífico elenco que pode ser tratado como ponto alto do longa. Já Jacob Elordi faz um bom trabalho mas de maneira mais sóbria, com um personagem menos interessante que os citados e, mais uma vez, marcado como um estudante.

    O INCÔMODO EM SALTBURN

    Certamente encaixado na categoria “ame ou odeie”, Saltburn apresenta a filosofia de ser desconfortável desde os primeiros minutos. Com proporção de tela de aspecto menos tradicional e uma fonte de caráter duvidoso utilizada nos créditos iniciais, o longa aposta em uma estratégia marcada pela conceituada produtora, A24, de pairar sobre a área dos filmes-artísticos-bizarros para se fazer ser visto. A obra de Fennell não tem o mesmo apelo de títulos como Midsommar ou Hereditário, mas sem sombra de dúvida conta com sua parcela de charme.

    Com toques de luxúria, voyeurismo e excentricidade, a produção também dá vida a uma série de cenas que podem - e provavelmente vão - incomodar o espectador. De tempo em tempo, Saltburn reforça seu caráter inconveniente, seja através das palavras ou até mesmo de sequências amplamente gráficas, responsáveis por tornar a classificação indicativa para maiores de 18 anos. Assim como em Bela Vingança, Fennell assina mais um trabalho que foca em ser lembrado - responsável pela alcunha de “se você fica facilmente enojado ou ofendido, este provavelmente não é um filme para você”.

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    A EXPERIÊNCIA FINAL

    Em resumo, Saltburn não é uma experiência que vai agradar a todos. Ácido, gráfico e satírico, a obra aposta no desconforto como uma grande arma, desde os primeiros minutos até sua cena final.

    Com certeza um longa interessante, ele poderia ser mais eficiente se tivesse mais coragem em suas resoluções, deixando para trás reviravoltas que não convencem e a preguiça de seu ato final. Há uma crescente imprecisão em Saltburn que mina parte de sua coerência narrativa, o que é uma pena, pois aqui temos uma produção de grande potencial.

    Durante uma entrevista para a Variety, em novembro, Fennell contou que sua mãe é uma exímia escritora e que sabe que foi longe demais em seus roteiros quando choca a mulher - e assim eu daria tudo para ver a reação dessa senhora lendo Saltburn; um filme que pode ser chamado de marcante, mas não tanto assim.

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