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    Emília Perez
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Emília Perez

    Karla Sofia Gascón, Zoe Saldana e Selena Gomez brilham em ousada obra queer musical

    por Katiúscia Vianna

    Muitos vão conhecer esse como o filme da Selena Gomez. E, realmente, ela é uma parte importante da narrativa, só que Emilia Perez é muito mais do que isso. Vencedor de dois prêmios no Festival de Cannes, inclusive um destinado para as atrizes principais da produção (o que inclui Gomez), essa é uma obra que divide opiniões, mas não deixa ninguém indiferente diante de seu estilo incomum - ou de uma canção com a palavra vaginoplastia. E olha que o pessoal achou ousado a última piada de Barbie ser sobre ginecologistas!

    Qual é a história de Emilia Perez?

    Paris Filmes

    Nessa história ambientada no México, Rita (Zoe Saldana) é uma advogada frustrada por trabalhar numa firma corrupta, enquanto o chefe leva os louros de seu trabalho. Até que ela recebe um convite inesperado de Manitas (Karla Sofia Gascón), um poderoso líder de cartel que contrata seus serviços para ajudá-lo a realizar um sonho: se transformar numa mulher a partir de uma cirurgia de afirmação de gênero.

    Para isso, o traficante vai fingir a própria morte e assumir o nome de Emilia Perez, algo que esconde até da esposa Jessi (Selena Gomez) e dos filhos pequenos, que passam a morar na Suíça, como forma de proteção. Com o salário dessa missão, Rita se transforma completamente e ganha uma nova vida, só que, quatro anos depois, ela reencontra Emilia, que pede sua ajuda novamente. Dessa vez, para voltar ao México com esta nova identidade e reencontrar os filhos.

    Emilia Perez é uma obra rebelde que não segue os demais

    Existem muitas coisas curiosas em Emilia Perez, das quais iremos falar ao longo dessa crítica, sem grandes spoilers, é claro. Porém, o que não sai da minha cabeça é como esse filme quase todo falado em espanhol, ambientado no México, é o representante da França na disputa pelo Oscar 2025. Claro, isso surge a partir de seu diretor Jacques Audiard, que também é um dos roteiristas do filme. Quem acompanha o trabalho do cineasta, sabe que essa não é a primeira vez que ele se aprofunda em diferentes culturas - basta ver antigos trabalhos como Dheepan - O Refúgio ou O Profeta.

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    Por mais que tenha uma discussão a ser feita sobre o olhar de um homem branco europeu sobre uma cultura latina, ninguém pode acusar Jacques Audiard de ser chato. Em Emilia Perez, o diretor usa e abusa das qualidades da câmera para criar novas maneiras de contar essa história, de forma dinâmica e com belo uso de cores - numa parceria impecável com o diretor de fotografia Paul Guilhaume.

    Isso é essencial, pois Emilia Perez ainda é um musical, então esse movimento de câmera e criatividade são primordiais na hora de destacar os jogos de luzes ou os dançarinos envolvidos nas performances. Desde um grupo de faxineiras que também servem como coro até Zoe Saldana numa dança elaborada num salão lotado, o coreógrafo Damien Jalet (Suspiria) traz um visual moderno para a obra.

    Uma das características que nem agradou todo mundo foram as canções de Emilia Perez, criadas por Camille Dalmais e Clément Ducol. Particularmente, eu gosto da sensação de inquietude que elas trazem, sem rimas ou previsibilidade. Sem falar que tem uma distinção clara nos estilos de Rita (mais voltado pro rap), Emilia (algo suave) e Jessi (pop rebelde).

    Emilia Perez é uma jornada de descoberta e redenção

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    Uma inconsistência de ritmos também aparece em Emilia Perez: existem momentos profundos, e outros nos quais o público fica em dúvida se é pra rir ou não. É algo que vai dos extremos de um thriller violento até o melodrama de uma novela. Mas isso também reflete o tumulto presente dentro da própria personagem, que cresceu dividida entre a sua verdadeira essência e a personalidade que precisou assumir para sobreviver num local hostil.

    Em determinado momento, enquanto procura o médico ideal para Emilia, Rita declama: “Mudar o corpo, mudar a alma. Mudar a alma, mudar a sociedade”. Essa é a mensagem que o longa tenta passar. A diferença entre Manitas e Emilia vai muito além do gênero: ao se sentir confortável em seu corpo, ela ganha a liberdade de poder fazer o bem ou, pelo menos, tentar se redimir um pouco das barbaridades que causou no passado.

    É uma metáfora sobre como sermos honestos e verdadeiros traz sempre algo de bom na humanidade. A partir da jornada dessa mulher trans, podemos perceber como o diferente não deveria ser assustador, mas o perigoso mesmo é tentar reprimir a chance de sermos as melhores versões de nós mesmos. Não é a narrativa mais complexa do cinema, mas tem seus momentos emocionantes - como a realização da operação ou a descoberta de um verdadeiro amor.

    Karla Sofia Gascón, Zoe Saldana e Selena Gomez formam um trio poderoso

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    Nesse clima, é a performance de Karla Sofia Gascón que rouba a cena. Uma verdadeira revelação neste papel, a atriz transita bem entre seu lado mais vulnerável até a raiva que carrega dentro de si, além da transformação física que o papel necessita. Ela tem uma presença exuberante na tela e revelou como usou partes de sua experiência pessoal para aprofundar Emilia. E fez um trabalho cativante nessa tarefa.

    Estrela de blockbusters como Avatar e Guardiões da Galáxia, Zoe Saldana também aparece muito bem no longa, apesar de não ter a voz de uma cantora. Ela se entrega às coreografias e representa a transformação intimista de Rita - não somente da pobreza para riqueza, como do cinismo para a bondade passando também pela violência.

    Apesar do sotaque meio puxado, Selena Gomez traz uma faceta bem diferente de seu talento e se sente confortável nas performances musicais, mesmo tentando se desfazer de seu status de diva pop para uma personagem conturbada. Se bem que teve um momento karaokê que me lembrou o clipe de “Love You Like a Love Song”, mas beleza.

    Com um trio de protagonistas marcantes, um visual deslumbrante e um aspecto musical moderno, é impossível tirar os olhos da tela durante uma exibição de Emilia Perez. Apesar dos defeitos de roteiro e uma resolução que acaba apelando para alguns clichês de Hollywood, não se deve desvalorizar todo o frescor que o restante do filme nos entrega. Pode não ser o longa mais perfeito do mundo, mas é uma obra fascinante demais pra ser esquecida. E, acredite, passar batido não é algo que Emilia Perez faria: Tanto o filme, quanto a personagem!

    *O AdoroCinema assistiu ao filme no Festival do Rio 2024

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