Tudo Que o Cinema Permite
Ninguém esperaria que o cinema americano de 1955, totalmente voltado ao consumismo e focado em agradar a classe média, fosse capaz de compor uma crítica tão bem estruturada e assustadoramente atual sobre uma elite social preconceituosa e hipócrita. Em Tudo Que o Céu Permite, Douglas Sirk trouxe um choque de realidade ao espectador da época. O diretor soube se utilizar da roupagem clássica do melodrama romântico e introjetou nesta, dezenas de críticas sociais pontuais e sutis em relação à luta de classes e discriminação velada no que tange o poder aquisitivo individual.
Na trama, Cary Scott (Jane Wyman) é uma viúva do alto escalão social americano que acaba se apaixonando por Kirby (Rock Hudson), seu desprendido e gentil jardineiro que se recusa aderir aos objetivos do sistema social e decide viver uma vida simples e satisfatória. Desde o primeiro flerte, Cary reluta em ceder à própria vontade e tentar se relacionar com Kirby, por medo de sofrer rejeição da esfera social em que está inserida. Já Kirby é dominado por seus sentimentos, e não tem nenhuma barreira social que o impede de expressá-los.
O romance se intensifica e Cary, influenciada pelos amigos de Kirby, acaba assumindo o romance. Contudo, o que temia acontece. Os primeiros a julgá-la são, justamente, seus amigos mais próximos. Logo em seguida, os próprios filhos, que, indiretamente acabam reproduzindo o discurso do "ou ele ou eu", e a relutância inicial de Cary retorna.
Com estilo e atuações muito inseridos no contexto histórico, mas com um subtexto crítico que foge muito deste, Tudo Que o Céu Permite é uma compilação de alfinetadas aos movimentos que moldaram a sociedade americana. O filme é um dos pioneiros na temática de romance entre classes sociais distantes e passeia por diversos temas acerca desta. Kirby representa o início do movimento de contracultura que marcaria a história dos Estados Unidos na década de 1960. Já Cary representa uma elite social que, ainda hoje, continua repetindo os mesmos erros de 60 anos atrás. E nesse cenário, aparentemente impossível, o amor, que não nada tem de lógico, aparece para estabilizar a tensão entre os envolvidos.