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    Levante
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Levante

    Sofia não está sozinha: Levante e o poder do coletivo

    por Giovanna Ribeiro

    Falar sobre o direito ao aborto nunca é demais. Falar sobre o direito ao aborto no Brasil, é ainda mais urgente. Se obras norte-americanas como Nunca Raramente Às Vezes Sempre debatem os aspectos mais subjetivos dessa decisão, em um contexto de aborto já legalizado, ou o francês O Acontecimento, resgata um passado recente em uma narrativa aterrorizante de como seria viver em um país em que a pessoa que aborta, é vista como criminosa, Levante, de Lillah Halla, por sua vez, atende a outra necessidade. Ao decidir levar para as telas a trama de Sofia (Ayomi Domenica), uma jovem que decide abortar no Brasil atual.

    A jovem atleta de vôlei, em seus 17 anos, experimenta uma fase efervescente e cheia de possibilidades. Às vésperas de um campeonato de vôlei decisivo para sua carreira como esportista, e prestes a ganhar uma bolsa para jogar fora do Brasil, a adolescente, entretanto, recebe uma notícia capaz de transformar por completo os rumos de sua vida: uma gravidez não planejada.

    Sob uma natural tensão, ela só tem uma certeza: o desejo de não ser mãe naquele momento. Sofia, então, decide interromper a gravidez. Algo que, no Brasil, (ainda) precisa ser realizado de forma clandestina. Nesse ponto, é que Levante se separa de todas as tramas internacionais que já assistimos nos cinemas sobre o tema. E as coloca numa posição quase alienígena - infelizmente - alcançando uma identificação certeira e brasileira, de quem sabe que falar de aborto não é falar de algo necessariamente distante. Mas sim, de algo propositalmente não dito.

    “Por que você não usou camisinha?”

    Vitrine Filmes

    O longa, que começa festivo, a partir desta descoberta, sofre um ponto de virada. Agora, permeado de closes claustrofóbicos, seguimos Sofia em todas as suas tentativas frustradas de interromper a gravidez. E recebendo, na medida em que revela sua condição, os primeiros olhares acusatórios. A responsabilização. As perguntas impertinentes. Revirando o espectador em angústia, não para entreter ou chocar, e sim para denunciar.

    Tudo ao redor de Sofia, tenta transformar sua escolha em um problema. Em uma culpa. Mas Levante dá outra resposta às provocações que ele mesmo apresenta. E se recusa a sucumbir ao terror. Ao subir o tom da realidade, em um certo exagero quase melodramático - que compõem muito bem com a trama adolescente - Levante ainda assim, consegue ser Pop.

    Nessa busca, Sofia acaba cruzando seu caminho com um grupo fundamentalista religioso, que a pressiona de todas as formas possíveis. E estão dispostos a detê-la para que ela não realize o aborto, custe o que custar. Entretanto, ela está decidida do que quer e conta com uma vasta rede de apoio e com o amor dessas pessoas. Esta talvez seja a segunda grande força de Levante: que é um filme sobre aborto, mas, definitivamente, não é um filme sobre solidão.

    Ainda Assim Me levanto

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    Ao escolher percorrer os caminhos que percorre, é como se Levante não permitisse, nem por um momento, que o espectador esqueça que, se as leis brasileiras fossem outras, boa parte daquelas conversas, conflitos e situações absurdas não estariam acontecendo. E através de uma protagonista disciplinada e pragmática - como uma atleta deve ser - expõe o quanto condenar uma mulher de qualquer idade, a não ter gerência sob seu próprio corpo, pode ser capaz de condenar todo um futuro.

    Nos apegamos às ambições, aos sonhos e as possibilidades de Sofia, assim como toda a sua rede de apoio. Levante nos convida a fazer parte daquele grupo amoroso. E consegue falar de política através do afeto. Mas não se engane, todos os vínculos representados na tela, são bem mais políticos do que parecem.

    Nesta obra queer, Sofia encontra acolhimento, apoio e sororidade em um grupo diverso, longe de ser heteronormativo, branco ou inserido nas classes dominantes. Ao precisar defender sua posição individual, Sofia precisará enfrentar e se justificar para toda uma sociedade conservadora e violenta, disposta a ir até às últimas consequências. Logo, o problema de Sofia - que não é o fato de estar grávida e querer abordar, e sim a impossibilidade de realizar isso de forma legal - se torna um problema de sua comunidade.

    Tal qual uma colmeia

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    Essa é a terceira e maior força de Levante. Sofia não está cercada de uma solidariedade distante, e sim inserida em uma luta coletiva. E nesse ponto, o filme beira ao óbvio para expôr essa associação aos mais desavisados. Tal qual uma colmeia de abelhas. Sozinha na cidade, uma abelha é uma criatura frágil. Mas, ao lado dos seus, é capaz de intimidar e se fortalecer diante das ameaças externas.

    Levante já seria relevante apenas pela coragem de falar sobre um tema tão sensível. Se torna ainda maior, pelas escolhas acertadas que faz. Mas, não basta uma obra ser politicamente importante, ela precisa ser bem executada. Nesse sentido, a trama se mantém forte em quase todos os momentos. Talvez, pela escolha de mastigar até demais o discurso, cometa certos escorregões dignos de colocar em um patamar menos ambicioso - e mais teen.

    No entanto, Lillah Halla e seu elenco brilhante de jovens talentos, como Loro Bardot, apoiado em atores experientes do nosso cinema nacional, como Grace Passô, consegue chamar a responsabilidade para si e impressionar. Sendo o grande destaque da trama, a atuação de Ayomi Domenica, que entrega uma Sofia capaz de comover e aproximar ainda mais o espectador daquele universo.

    Não à toa, Levante vem acumulando prêmios desde o Festival do Rio 2023 - inserido na Première Brasil, levou o prêmio de Melhor Direção de Ficção - à semana da Crítica do Festival de Cannes, e ao prêmio da Federação Internacional de Críticos de Cinema (FIPRECI). Levante também foi pré-selecionado ao lado de outros cinco títulos, como uma das possíveis indicações brasileiras ao Oscar 2025.

    Sem dúvidas, o longa-metragem possui todo o mérito para ser citado como um grande filme brasileiro sobre um tema que, esperamos, vire um retrato de um passado superado. Para tanto, Levante dá a pista: assim como o cinema é uma arte que não se faz sozinha, a luta também é coletiva.

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