O cinema não tem fronteiras e para quem gosta realmente dele, consegue trafegar facilmente ao ver e se divertir com películas de outros países. Apesar de ser o berço da sétima arte, a França não chega em quantidade o que Hollywood ou Bollywood (na Índia) produzem.
Um filme entrou no grande circuito comercial com jeito de touradas e paella. “A Primeira Comunhão” entra na lista de películas de horror, apesar de o nome remeter a um dos santos sacramentos do catolicismo.
Para quem viveu a época dos anos 80, poderá saborear algumas doses desse período criativo: música, fliperamas, jaquetas e botas, atitude pós-punk e penteados repicados.
Numa cidade espanhola vivem as famílias de Sara (Carla Campra) e sua amiga Rebe ou Rebeca (Aina Quiñones). Ambas possuem um desempenho bem convincente, com leve destaque para Aina, já que sua personagem possui alguns desajustes familiares, rivalidades com as meninas da cidade e consumidora de drogas.
Certo dia, Rebe convida Sara para curtir uma balada numa danceteria local. As duas dançam, paqueram e compartilham um pouco de droga. Ao serem passadas para trás por suas rivais na hora de pegar carona, as protagonistas não têm outra saída e começam a andar. A situação piora quando um carro para ao lado delas e, a contragosto, resolvem entrar nele. O motivo é que Rebe não “foi com a cara” de Chivo (papel de Carlos Oviedo) durante a balada.
Em plena madrugada solitária, o carro sai da rodovia principal e, no meio de floresta, virá o encontro com uma boneca abandonada. Vestida como se fosse a um rito religioso, o brinquedo intriga a todos.
É onde começarão a aparecer os primeiros sinais de que tal encontro não trará boas lembranças e nem bons momentos. A vida dos jovens sofrerá um revés cada vez mais forte.
O filme tem a boa intenção de pregar peças, mas se prende demais aos clichês surgidos e criados nos filmes de terror, como coisas que se movem sem explicação, um objeto maldito (no caso, a boneca) e afogamentos psíquicos.
Tem o mérito de mostrar um desenrolar da história que agrada, especialmente na interação entre Rebe e Sara. Aliás, é o melhor ponto positivo do filme. Ambas compartilham suas situações complicadas dentro de casa e a vontade de se livrar do tédio da cidade onde moram.
A ideia do filme é criativa e tem potencial para ser melhor desenvolvido. O que aparece nesta estreia de “A Primeira Comunhão” é um motivo para assustar (mas nem tanto) o espectador, ocorrendo mais para a metade e fim da película.
Na primeira metade, acontece um pré-aquecimento com jeito de filme para jovens e alguma dose de drama. Não que seja totalmente descartável; até que é bem conduzido nessa parte.
Se observamos o desenvolvimento e a condução da trama, “A Primeira Comunhão” fica para trás: há algumas lacunas que carecem de justificativa, pontos de interrogação do porquê certas coisas acontecerem sem consistência mostrada ao espectador.
Mais para o fim, alguns elementos vem à tona; entretanto, falta uma profundidade ou uma efetividade que não se concretiza. Quando Sara, Rebe e Pedro (vivido pelo competente Marc Soler) se amontoam dentro do quarto, surge uma criatura que não necessariamente explica ou sustenta todo o mistério e clima propostos.
O indicativo de uma continuação é escancaradamente sugerido, mesmo que a cena do quarto não convença o suficiente. A insistência de uma continuação vai adiante, até a conclusão dessa suposta primeira parte, quando há um retrocesso no tempo com a garotinha que apavora.
“A Primeira Comunhão” pega a onda de outros filmes que o cinema espanhol já produziu no gênero do terror, como “O Orfanato”.
Apesar de a ideia ser boa e original, ela poderia adquirir um grau de maturidade e de exploração mais contundente, sem se perder em demasia num clímax estranho, confuso e superficial.
Se o propósito for o de alimentar mais o mistério, isso frustra quem assiste à película. O mistério está no encadeamento dos elementos que funcionam razoavelmente. E, neste quesito, chega a despertar a atenção.
É louvável que o cinema de outros países busque explorar temáticas diferentes e se diferenciar num mercado aguerrido. No caso do cinema espanhol, ao ver “A Primeira Comunhão”, percebe-se ser necessário um roteiro encorpado e distante de clichês surrados, se quiser investir em terror. Dá para passar o tempo. E só. Porém, não é de nenhuma forma um filme em que seja preciso dormir com a luz do abajur acesa.