Minha conta
    Raymond & Ray
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Raymond & Ray

    Do nada a lugar algum

    por Rafael Felizardo

    Luto, traumas familiares, masculinidades e repressão. Quando anunciado em agosto do ano passado, o novo drama de Rodrigo GarciaRaymond & Ray, já dava pinta de que seria um longa-metragem que fugiria dos aspectos principais de um blockbuster hollywoodiano. Sem grandes alardes em solo brasileiro até sua estreia no Festival do Rio 2022, a obra protagonizada por Ethan Hawke e Ewan McGregor trilhou de maneira tímida sua caminhada pela milionária indústria cinematográfica, apostando em uma possível aclamação pós-estreia para assim alcançar os tão sonhados holofotes do estrelato.

    Raymond & Ray segue em uma direção esperada

    Na trama, dois meio-irmãos se reencontram após a morte do pai, ambos carregando diferentes legados emocionais herdados por conta de anos de relacionamento difícil com o patriarca. Buscando uma oportunidade para deixar o rancor partir, Raymond e Ray viajam para organizar um funeral para o velho. Em meio a toda a raiva, dor, loucura e luto, ambos encontram suas maneiras de extravasarem as próprias emoções.

    Logo de início, o filme procura deixar claro que Raymond e Ray são dois personagens ao melhor estilo “bonzinho e rebelde”. Abrindo com Raymond dirigindo por uma longa estrada para informar seu irmão sobre a morte do pai, o controlado personagem de McGregor é recebido por um Ethan Hawke sem camisa, cheio de tatuagens e segurando uma arma de fogo. Ao flertar com a temática dos filhos que tomaram caminhos opostos na vida, a obra cria uma base pouco inovadora para seu enredo, mas que felizmente acaba se sustentando por conta da boa química entre seus experientes protagonistas. Aqui, ainda é válido colocar que nem toda produção tem o dever de reinventar a roda, mas a sensação que fica é a de que qualquer pessoa que tenha o costume de assistir a este tipo de drama familiar conseguiria adivinhar o resto do enredo até seu fim.

    A partir daí, descobrimos, de fato, que partindo de experiências passadas parecidas, a vida dos dois personagens tomou um rumo completamente diferente. Se Raymond casou, arrumou um emprego monótono e seguiu a cartilha de bom menino, Ray, por outro lado, teve seu telefone cortado por falta de pagamento, além de não parar em trabalho algum e estar sempre metido com uma mulher diferente. Ambos com profundos ressentimentos guardados pelo passado conturbado com o pai, procuram administrar seus lutos de maneiras distintas, com Raymond sendo um pouco mais compreensivo com as atitudes do velho, se comparado a um mais rancoroso Ray.

    Sintonia entre os protagonistas

    O continuar da trama nos passa a apresentar algumas características gratificantes da obra de Garcia, um cineasta colombiano mais conhecido por seu trabalho junto às séries (Santa Evita) do que por seus filmes. Com uma trilha sonora de influência jazzística muito bem escolhida, Raymond & Ray agracia o espectador com uma estética sonora acolhedora, assim como tons visuais pastéis que ajudam a estabelecer a proposta de introspecção almejada pelo filme.

    Após um longo tempo interpretado personagens mais exóticos (Obi-WanGrilo FalanteMáscara Negra e outros), também é interessante ver McGregor voltando às origens ao dar vida a um homem “comum”, agora, sob a pele de Raymond, uma figura, que como mencionado, procurou se desfazer das grandes emoções da vida em troca de uma existência mais pacífica.

    Um dos melhores elementos do filme, o Ray de Hawke faz par com o personagem de McGregor de maneira dicotômica, adicionado um pouco mais de complexidade à dupla e apresentando um enredo que envolve um passado nas drogas, casos amorosos rápidos e também um inesperado amor pela música, manifestado invariavelmente através de seu triste trompete.

    Apesar de clichês, ressalta-se que os amargurados irmãos funcionam, apresentando alívios cômicos bem posicionados que cumprem muito bem com o objetivo de dar um pouco mais de leveza a um roteiro que por vezes parece fazer força em se manter repetitivo.

    A psicanálise dos pecados do pai

    Se em 2008 Rodrigo Garcia levava às telas da TV a cancelada série In Treatment, que nos apresentou à vida de um psicólogo clínico em sua relação com os pacientes, em 2022, o diretor apostou, mais uma vez, em uma produção que flerta com conceitos da psicologia, em especial, da psicanálise. Através de uma trama que passeia por sentimentos reprimidos, explosões de raiva, projeções e negação, agora, Garcia aproveita para demonstrar sua familiaridade com o assunto de forma menos explícita, ora disfarçada sob simbolismos e também para um público-alvo diferente de seu show cancelado.

    Como todo drama freudiano, Raymond & Ray se desenrola até o ponto onde as relações parentais mal resolvidas não conseguem mais se sustentar apenas no campo das ideias, rumando para o chamado “acting out”, mecanismo onde o aparelho psíquico não contém mais a emoção reprimida e age no mundo físico. Seguindo à risca o movimento, o longa-metragem dá voz a um dos momentos mais icônicos do filme, que envolve o personagem de McGregor, uma arma de fogo e... bem, evitando spoilers vou me reservar a não revelar o que acontece, mas você que assistiu à obra sabe do que estou falando.

    Da mesma forma, após os passos do irmão, Ray também acaba se libertando do fantasma do morto ao passar a tocar em público seu trompete, instrumento ao qual sempre reservou para si seus talentos por conta do desencorajamento praticado pelo pai na infância.

    Do nada a lugar algum

    Apesar de ter seus momentos, um dos grandes problemas de Raymond & Ray é que o filme parece sair do nada para chegar a lugar algum. Mesmo abordando temas como luto, masculinidade e repressão, a sensação que fica é a de que o longa poderia ter mergulhado um pouco mais nas nuances do relacionamento entre pai e filhos, adicionando um pouco mais de profundidade à relação.

    Com um excelente humor ácido que vale boas risadas, é possível encontrar vislumbres de um grande filme na obra de Garcia, mas que acaba se perdendo em meio a clichês que tornam repetitivo um filme de premissa bastante interessante.

    *O AdoroCinema assistiu ao filme no Festival do Rio 2022.

    Quer ver mais críticas?
    Back to Top