O que pensar de um filme falado em francês com título em inglês? Os mais modernos vão dizer que isso já é superado, que franceses não gostam do idioma inglês.
Mas, “Close” não se refere a um tipo de significado; tem mais de um dentro do inglês: pode ser “perto” ou “fechar, fechado”. E o filme de produção franco-holandesa explora isso de maneira esperta, inteligente.
Não se trata de um filme policial claustrofóbico. O centro de interesse das câmeras e do enredo são duas crianças que não se desgrudam por manter uma forte convivência diária. Uma amizade cultivada a cada dia, a cada instante.
Léo e Rémi são pré-adolescentes e vão à escola juntos, correm pelos campos juntos, andam de bicicleta juntos. São como unha e carne.
Isso faz com que as câmeras comandadas pelo diretor belga Lukas Dhont insistam nesses momentos só deles, naquele mundinho fechado. Elas focalizam os dois no quarto quando brincam e dormem nesse estreito cômodo da casa de um deles.
O filme amplia sua lente com a entrada de adultos, neste caso, os pais dos garotos. A mãe de Rémi, Sophie adquire afeto por Léo. Um amor maternal estendido.
A fase da vida retratada em “Close” é típica em conflitos, autoafirmação, fofocas, questionamentos e brigas. Momentos de ebulição.
Justamente a proximidade e o grude de Rémi e Léo que vão surgindo algumas perguntas mais capciosas: em certo trecho, alguém dispara se eles são um casal. A atenção voltada para eles causa reações diferentes: enquanto um se fecha e se retrai, o outro nega com todas as suas forças.
Léo (vivido pelo ator mirim Eden Dambrine) busca sair do clichê afetivo e começa a treinar hóquei sobre o gelo, um esporte viril e combativo. Depois passa a ir sozinho à escola, sem esperar Rémi.
Em situações de mais convívio social, a proximidade dos dois vai se deteriorando, quando um evita procurar o outro.
Mais fechado de personalidade, Rémi (Gustav De Waele) sente ser ferido. A indiferença toma conta de ambos os lados.
Quando volta de uma excursão promovida pela escola, Léo recebe uma notícia que choca não só a ele como ao espectador da poltrona. Como será que o filme continuará sem a presença do companheiro e amigo? E mais: o filme tem sustentação e fôlego para prosseguir? Essa habilidade vai sendo respondida aos poucos. É um dos trunfos de “Close”.
O outro trunfo é mais desconcertante: colocar Léo como uma personagem de aparência andrógina. É possível se questionar por dentro, pois o recurso das imagens feitas de perto permite confundir os olhos; a semelhança com o sexo oposto é insinuada, provocativa, maliciosa. Mexe com a racionalidade de qualquer um.
Sem saber, Léo vai adquirindo em parte, a postura de Rémi: concentra-se nos treinos de hóquei, evita falar com os colegas de classe e ocupa seu tempo no trabalho de seus pais. Por dentro, sente as dores e os desconfortos da ausência de Rémi. Sentimento partilhado pela mãe desse último, porém com outro enfoque.
Essa coincidência é o denominador comum dos dois até que num desses encontros, Léo resolve se abrir, chocando parcialmente Sophie. Daí o filme toma um ritmo confessional, com pontos altos de extravasamento, de afastamento e de afeição.
Praticamente é um filme constituído por emoções, de cunho e de conflitos psicológicos – o que tem a ver com a adolescência de quase todo mundo, transformando-se numa afinidade entre o contado na tela e a vida real.
Boa parte do filme se concentra em imagens e os diálogos, apesar de ajudarem a explicar ou conduzir a película, fica em segundo plano às vezes. Mais ou menos o contrário do que acontece em produções francesas, as quais são bem prolixas e férteis em falatórios.
O nome é acertado, uma vez que a preferência de Lukas Dhont é retratar o universo de duas pessoas, de duas crianças em movimento e que se gostam. A participação das famílias é realizada de forma secundária, periférica, somente acompanhando o dia a dia dos protagonistas. Mas que compõe a paisagem.
Sabiamente, o roteiro não se torna chato em termos de cenografia porque, em certas ocasiões, é prazeroso ver a corrida de Léo e Rémi pelos campos floridos. Ou de ver estes mesmos campos em contraponto aos momentos particulares dos dois jovens. Não fica monótono.
A estreita relação entre Léo e Rémi e a aparência desconcertante de Léo fazem com que “Close” desperte a dúvida acerca das tendências de cada um. Apesar de sugerir, nada aparece ou demonstre que ambos ou um deles tenham gestos ou atitudes homossexuais. Para o filme, o mais importante é mostrar o vínculo. Um vínculo forte, mesmo que seja visto sob um ângulo suspeito proveniente de seus colegas de escola.
Porém, um dia esse vínculo pode acabar e “Close” transita no espaço que vai da amizade, da cumplicidade e da intimidade para a dor, a raiva, a tristeza e a culpa que marcam os relacionamentos entre amigos e a família desses amigos.
A concentração na figura de Léo mostra como ele demora no período de luto para correr em direção a uma nova fase: a de libertação e de autoaceitação.