Inspirado em história real, drama polêmico tem encontro de vencedoras do Oscar, mas novato rouba a cena
por Katiúscia ViannaNatalie Portman venceu o Oscar por Cisne Negro, onde interpreta uma talentosa bailarina obcecada com a perfeição. E, pelo visto, essa busca incessante pelo melhor ângulo é algo que atrai suas grandes performances. Porém, apesar dessa similaridade, Segredos de um Escândalo vai por um caminho completamente diferente: mistura emoções reais com uma estética nada sutil e críticas afiadas.
May December (no original) foi livremente inspirado numa polêmica real que aconteceu nos anos 90. Na história dirigida por Todd Haynes, Gracie (Julianne Moore) tinha mais de 30 anos quando foi presa ao ser flagrada tendo sexo com um garoto de 13 anos, Joe, com quem trabalhava numa loja de animais. O caso se tornou um escândalo nacional, sendo estampado nas capas de todos os tabloides. Mas o filme começa realmente duas décadas depois do fato.
O ano é 2015: Gracie e Joe (agora um adulto vivido por Charles Melton) são casados e tiveram três filhos - e os caçulas gêmeos estão prestes a se formar no colégio, a fim de saírem de casa rumo à faculdade. Mesmo afastada da mídia, Grace aceita receber as visitas de Elizabeth (Natalie Portman), uma atriz que irá interpretá-la em um filme independente. Enquanto a artista vai ultrapassando limites para compor sua personagem, a relação de Gracie e Joe passa a expor verdades que foram ignoradas por muito tempo.
Existem coisas nada sutis em Segredos de um Escândalo. Seja um determinado close de câmera típico de momento chocante em novela ou até mesmo uma pouco elaborada metáfora com uma borboleta cuidada por Joe. O que, normalmente, me irritaria muito. Mas aqui essa artificialidade faz sentido. Afinal, as duas protagonistas desse filme estão interpretando seus respectivos papéis. Elizabeth usa a arte para tentar se transformar em outra pessoa, enquanto Gracie controla uma bolha artificial que pode explodir a qualquer momento.
Gracie é delicada, usa tons claros, chora copiosamente e fala com um sotaque doce, até mesmo quando diz os maiores absurdos e crueldades. Elizabeth chega como a garota urbana da cidade grande e, visualmente e mentalmente, vai adotando o estilo de Gracie para fazer suas próprias vítimas. E o filme acompanha essa eterna brincadeira de teatro, onde não se esconde que tudo aquilo é encenado. O único que não percebeu estar envolvido no jogo é Joe - parecendo mais um rato que percebeu estar preso numa ratoeira tarde demais.
Porém, o filme brilha mesmo em seus momentos de verdadeiras emoções ou extremas falsidades, não no meio termo. É quando Joe tenta se expressar ou recuperar parte da juventude perdida; ou quando Elizabeth faz um monólogo que mistura dramaticidade e superficialidade ao mesmo tempo.
Nesse clima, são os três personagens principais - e seus três protagonistas - que carregam o filme. Natalie Portman sempre faz um bom trabalho (afinal é a Natalie Portman!), mas surpreende ao misturar as dualidades de Elizabeth, que compartilha uma certa imoralidade com Gracie, mas inveja sua forma de enxergar a vida. Ser uma mulher que finge estar em busca da arte pura para satisfazer seus próprios desejos. Mas Natalie brinca com a superficialidade a tal ponto que você sabe quando ela está sendo uma falsa Elizabeth por si mesma ou uma falsa Elizabeth pois está imitando Gracie.
Por sua vez, Julianne Moore é uma antiga parceira de Todd Haynes, pois já trabalharam juntos em A Salvo, Longe do Paraíso, Não Estou Lá e Sem Fôlego. Em sua quinta colaboração, ela constrói uma das personagens mais interessantes do longa. Não sabemos até onde vai a manipulação de Gracie, nem mesmo as suas mentiras, pois ela realmente acredita no mundo que criou para si mesma. Porém, por vezes, temos vislumbres de sua verdadeira personalidade, seja em pequenos sorrisos de Moore ou como simplesmente entrega certas falas pesadas como se estivesse fofocando com sua melhor amiga. A personagem não é uma vilã de novela, mas o filme não passa pano para seu crime e suas consequências.
Mas devo dizer algo: quem realmente surpreendeu foi Charles Melton. O ator que ganhou notoriedade em uma série tão polêmica (ou devo dizer sem sentido?) como Riverdale mostra aqui um ser frágil que apenas aparenta ser confiante, mas nunca teve a chance real de crescer. Joe brilha quando está só ou conversando com os filhos, mas se acanha perto da esposa. Um garoto preso no corpo de um adulto que começa a questionar sua própria verdade. E Melton interpreta isso de forma marcante, se tornando o coração de Segredos de um Escândalo, mostrando ser mais que um rostinho bonito e charmoso visto em Bad Boys Para Sempre e O Sol Também é uma Estrela.
May December não é um filme muito fácil de digerir, afinal é centrado em um trauma que Joe nem aceita que sofreu. E, com isso, perdeu boa parte de sua vida para uma mentira. Porém, o longa é executado de uma maneira quase sórdida, falando sobre a cultura da mídia e fazendo críticas a tamanha artificialidade, sem se esconder dela em nenhum momento. Seja pela trilha sonora pontual de Marcelo Zarvos ou pela fotografia intrigante de Christopher Blauvelt (vocês não têm noção de como esse homem sabe brincar com espelhos).
Por mais que a direção de Todd Haynes seja boa, o que realmente rouba os holofotes (desculpa pela piada) é o elenco - que ainda é composto por boas participações de Cory Michael Smith, D.W. Moffett, Lawrence Arancio, Gabriel Chung, Elizabeth Yu e Piper Curda. No fim das contas, é Charles Melton que surpreende por apresentar uma performance (apesar de ser mais contida e emotiva) capaz de brigar com os talentos de grandes figuras como Natalie Portman e Julianne Moore.
Acho que o ensinamento que fica aqui é esse: devemos dar segundas chances para todos os atores desse mundo. Todo mundo tem o direito de cometer um Riverdale na vida (afinal, todos temos que pagar boletos); mas o importante é deixar alguém brilhar como Segredos de um Escândalo. Mas com verdade no coração, a artificialidade fica só pra ficção mesmo.
* O AdoroCinema conferiu esse filme no Festival do Rio 2023.