Olha... "Dentro" não é um filme pra quem quer um filme fácil, sem reflexão.
"Dentro" não vai agradar quem quer ver ação, ficção, suspense, drama, comédia romântica. "Dentro" é um filme estritamente psicológico, é uma experiência pra ser introjetada, pra ser digerida.
Nemo, o personagem principal do filme vivido por Dafoe, é um ladrão que invade uma cobertura de luxo para roubar obras de arte.
O próprio nome do personagem já vale uma observação muito interessante... "Nemo" em latim signigica "ninguém". E também faz referência ao Capitão Nemo de 20.000 léguas submarinas.
Não é sobre uma pessoa específica o filme, o personagem "Nemo" é exatamente ninguém, somos todos nós, qualquer um de nós. E assim como o Capitão Nemo, cada um de nós, assim como no filme, está dentro de um submarino
(o apartamento é completamente selado)
fugindo do "mundo real".
Assim como o "Nemo" do filme "Dentro", o Capitão Nemo também em 20.000 Léguas Submarina está o tempo todo isolado do mundo exterior.
"Dentro" é uma experiência. Não adianta eu te contar o enredo. Você precisa ver o filme. Os acontecimentos que você vê e as falas são 5% do filme. A performance teatral do Dafoe, a ambientação, o filme é muito isso.
Daqui pra frente é muito spoiler, então vou marcar praticamente tudo...
Vou dar minha opinião...
Olha, se alguém quer ver esse filme e ainda não viu, eu aviso que tem uns spoilers, mas esse filme é uma experiência, então mais importante do que ter lido ou não o que eu vou escrever o importante é a experiência de assistir o filme em si.
E quem quiser ver, o Willian Dafoe só pra variar entrega uma performance teatral.
Então... Eu gostei muito do filme... E acho que minha resposta vai ser um pouco comprida. Ele entra em um lugar muito rico, como ele escreve no final, uma "casa", que pra ela era uma "jaula".
Eu não acho que ele tinha muita opção de entretenimento ou muita comida. Não tinha entretenimento nenhum a TV só permitia a ele ver o mundo de fora, mundo que ele não tinha nenhum acesso e nem como se comunicar. A comida era pouca desde que ele chegou, ele tinha alguns pacotes de uma ou outra coisa. Havia pouco o que comer, pouco pra subexistir.
A casa em si, era toda feita daqueles símbolos de sucesso do dono da casa (que inclusive não morava lá). Eram os troféus do dono da casa (sua medalha, suas fotos, seus itens caros, suas obras de arte). E era um lugar que não tinha um morador.
Assim que Dafoe entra, ele não tem saída. Ele se distrai com o pouco que tem a mão. Ele tem todos aqueles itens caros a seu redor, e nenhuma daquelas obras de arte pode tirar ele dali.
E qual foi a forma que ele encontrou pra fugir dessa prisão? Como ele mesmo disse no filme.. Não se constrói nada sem destruir. Desde o começo do filme quando ele percebe que não tem saída, ele começa a tirar os móveis de lugar, a rasgar as cortinas, as cordas, é todo o processo dele que é mostrado no filme pra construir aquela torre.
Peça por peça ele vai fazendo aquela torre de babel, com os pedaços que ele destrói das peças sofisticadas do lugar.... Ele literalmente transforma tudo que tem de sofisticado naquele lugar na construção de sua fuga.
E sobre a comida... a água... Um lugar extremamente sofisticado... E não tinha nada pra alimentar ele. A comida ficava cada dia mais escassa. A água ele teve que tirar literalmente da terra... Você está preso em uma jaula que tem todo requinte e sofisticação, mas que não te alimenta.
Até a cena das fezes... Ele não tem pra onde mandar as próprias fezes, você não tem como expurgar seus dejetos.
Quando ele mesmo começa a entrar em estado de destruição, qual é a saída dele? Ele começa a criar sua própria artes, com os pedaços da tentativa de fuga dele. Ele começa a pintar as paredes com seus próprios traços, ele começa a juntar os pedaços de sua tentativa de fuga em uma obra de arte. Cada porca que ele tira lá de cima é um pedaço em sua obra. E cada porta que ele tirou na tentativa de fugir foi tirada com muito trabalho.
Uma outra coisa... Aquela cena dele naquele ambiente verde... É atrás do guarda roupa do dono da casa... É depois da própria intimidade do dono da casa, e lá tudo que ele encontrou foi um corpo vazio, que não tinha sentido algum pra ele. Mas nesse corpo vazio ele encontra aquele caderno, aquela escrita que serve de consolo. Aquela obra, o corpo vazio, não trazia nada pra ele... Mas o caderno, a ideia, que estava com ele, isso alimentou a alma dele.
E no processo de continuar abrindo sua rota de fuga ele chega no abismo dele. Ele se machuca feio até conseguir terminar de conseguir abrir sua rota de fuga. E quanto mais perto do fim desse processo, mais ele produz de si mesmo, mais ele faz sua própria arte.
O fim em si?
O que eu entendo disso tudo é que ele só conseguiu fugir da jaula passando por todo o sofrimento de ressignificar tudo que tinha, em sua volta e em si mesmo, um processo muito doloroso. Pra mim isso é arte.
Tem gente que sai da jaula desenhando, tem os que cantando, escrevendo... ou a gente pode ficar bem confortável, morrendo de fome e de sede, sentado numa cobertura de luxo, de onde a gente não consegue contato nenhum com o real.
Destruir e reconstruir para abrir novos caminhos, uma fuga da própria prisão.
Eu não falei da questão do sistema de prevenção de incêndio (e claramente a gente pode fazer uma relação com o fogo que ele fez...), nem da questão do termostato... Eu acabei de ver o filme e acho que vou digerir ele muito ainda.
Mas eu acho que pra quem tem interesse de observar com atenção o filme vale muito a pena. E desculpa pelo spoiler pra quem ainda não viu, mas não estou contando que o Homem de Ferro morre... Inside é uma experiência de como a arte pode nos permitir transcender nossa própria prisão.
"Cats die, music fades. But art is for keeps"
A vida passa, a juventude vai embora, mas a arte nos mantém (isso não é uma tradução ok?)
"É preciso fazer do caos algum sentido e da vida, arte."