Drive My Car
'Drive My Car' é um belíssimo drama do cinema japonês co-escrito e dirigido por Ryusuke Hamaguchi. É baseado e inspirado no conto de mesmo nome do renomado autor japonês Haruki Murakami, em seu livro de coletânea de contos de 2014, Homens sem Mulheres, enquanto se inspira em outras histórias. O filme segue Yūsuke Kafuku (interpretado por Hidetoshi Nishijima) enquanto dirige uma produção multilíngue de "Tio Vânia" em Hiroshima e lida com a morte de sua esposa, Oto (interpretada por Reika Kirishima).
O cinema asiático está em bastante evidência nos últimos anos, principalmente após a vitória histórica de 'Parasita' no Oscar de 2020. Se naquele ano tivemos uma grande obra do cinema coreano, este ano temos uma grande obra do cinema japonês.
'Drive My Car' é diferente de tudo que eu já assisti, um jeito totalmente diferente de se fazer cinema, praticamente fugindo de tudo que pode soar trivial no cinema moderno. Um filme contemplativo, intrigante, complexo, intimista, carregado dramaticamente e com várias camadas que sobrepõe cada personagem na trama, que nos confronta diretamente com o luto e a solidão em várias nuances e em diferente vertentes. O longa nos evidencia com a descaracterização e a desconstrução do ser humano quando lhe é imposto em diferentes consequências da vida. Uma obra profunda, tocante, singular, primorosa, que nos conscientiza sobre o medo, o trauma, a frustração humana em diferentes aspectos e em diferentes pontos de vista, e sempre com uma forma totalmente verossímil.
O roteiro de Ryusuke Hamaguchi e Takamasa Oe é a verdadeira cereja do bolo, pois temos um roteiro coerente, formidável, com um texto muito bem escrito e muito bem adaptado, onde se dividi magistralmente em 3 atos que se conversam entre si. O enredo tem um ótimo desenvolvimento e uma ótima transição entre os 3 atos, nos apresentando e estabelecendo cada personagem que faz e fez parte da vida e da história de Yusuke. A narrativa é excelente, pois a forma adotada para contar toda a história é simplesmente perfeita, com um transporte temporal para nos elucidar sobre cada ponto de virada na trama, seja no primeiro ato, no segundo, ou no terceiro - genial!
Outro ponto que me deixou completamente boquiaberto ao final do filme....suas 3h de duração que me pareceram 1. Vou ser bem sincero, eu não senti em nenhum momento que o longa tinha praticamente 3h de duração, pois o filme é tão envolvente que prende a sua atenção em todas as cenas, você quer buscar sempre além, quer ir cada vez mais longe - é incrível! Pois um filme com quase 3h de duração seria mais do que inevitável (e até normal) cansar o espectador e o fazer perder o interesse pela história que estava sendo contada. Mas não, pelo contrário, o longa não é arrastado, não é cansativo, por mais que seu ritmo seja lento, mas você se prende no texto, nos diálogos afiadíssimos e nas ótimas interpretações.
Porém, vou entender perfeitamente quem não conseguir sentir o filme, quem não conseguir se prender na história como eu me prendi, quem achar o filme cansativo e arrastado, pois o longa foge completamente dos filmes triviais modernos, por se tratar de uma obra mais intimista que mantém um ritmo mais lento, mais profundo, que definitivamente não vai prender o espectador pelo dinamismo e sim pela peculiaridade que nos está sendo contada toda a história.
Ryusuke Hamaguchi está completamente perfeito na direção do longa, um trabalho muito competente, onde em todos os momentos nos evidenciava sobre a dor, o sofrimento, a angústia, a frustração e o trauma de cada um ali presente, feito unicamente pelas lentes de sua câmera em diferentes takes certeiros - mais do que merecida a sua indicação ao Oscar. A fotografia de Hidetoshi Shinomiya é muito bem apresentada em cena, acompanha muito bem os diferentes locais imerso dentro desse 'road movie'. A trilha sonora da cantora e compositora Eiko Ishibashi é bem intimista, bem local, agrega ainda mais na obra, apesar de ser uma trilha mais modesta. Assim como a direção de arte de Kensaki Jo, que está muito bem montada e arquitetada.
Em questões de elenco é outro show à parte!
Temos um elenco afiado que entregaram ótimas atuações!
Como no caso do Hidetoshi Nishijima (o Yusuke Kufuku), que fez um personagem carregado emocionalmente e que transplantava toda essa carga dramática em tela - ótima atuação! Toko Miura (que fez a Misaki Watari) é outra que esteve perfeita em praticamente 100% do tempo. Foi impressionante e gratificante acompanhar às idas e vindas de Misaki e Yusuke a bordo do Saab 900, onde nos evidenciaram com suas histórias semelhantes e que se conversava entre si ao final - cena belíssima aquela dos dois abraçados naquele cenário de gelo, e uma bela atuação de Toko Miura. Reika Kirishima (que fez Oto Kafuku, esposa de Yusuke) tem um destaque excepcional no primeiro ato do filme, sendo dela praticamente todas as cenas de maiores relevâncias naquela parte - belíssima atriz, aquela cena do sexo é um absurdo de interpretação, tá louco!!! Masaki Okada (que fez o Koji Takatsuki) foi outro ator que gostei demais, sua atuação condizia perfeitamente no que se propunha o seu personagem em cena - aquela cena bem dialogada entre Koji e Yusuke é outra barbaridade de interpretação de ambos os atores.
Na temporada de premiações Drive My Car é o principal nome entre os filmes internacionais, inclusive já levou a estatueta no Globo de Ouro, no BAFTA e no Critics. No Oscar o longa está indicado em 4 categorias, sendo Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Diretor, Melhor Filme Internacional (principal favorito) e Melhor Filme.
Desde que foi anunciado a lista dos indicados ao Oscar eu fiquei muito curioso com 'Drive My Car', afinal de contas o longa japonês foi indicado em Filme Estrangeiro e com certeza não foi à toa a sua indicação na principal categoria da noite, Melhor Filme. Assim como a indicação de Ryusuke Hamaguchi em direção, que a princípio eu fiquei me perguntando se realmente ele merecia estar entre os indicados nessa categoria, e hoje eu afirmo com toda certeza que sim, merece e muito. A princípio eu também me perguntei se por acaso o Ryusuke não estaria ocupando a vaga que deveria ser do Denis Villeneuve (Duna), e hoje eu vejo que eu estava completamente errado, a vaga que deveria ser do Denis Villeneuve quem está ocupando injustamente é o Paul Thomas Anderson pelo seu fraco filme 'Licorice Pizza'.
Já na principal disputa da noite, 'Drive My Car' é sim um dos principais favoritos para levar a estatueta, apesar das atenções ultimamente estarem voltadas para 'Ataque dos Cães' e principalmente para 'CODA'. Meu favorito na categoria Melhor Filme é 'Ataque dos Cães', pois dentre os 10 indicados é disparado o melhor filme de todos e o que de fato merece ser o campeão da noite. Mas se por acaso a academia decidir premiar o longa japonês, pra mim não será nenhuma surpresa, afinal de contas 'Drive My Car' é um belíssimo filme e também é merecedor da principal estatueta do Oscar, mesmo não tendo a minha torcida.[25/03/2022]