De acordo com os números, o romance Harry Potter, da escritora britânica J. K. Rowling, é um dos livros mais vendidos em todo o mundo, ficando apenas atrás da Bíblia. Sendo o fenômeno mundial que desde sempre foi, os estúdios de Hollywood não poderiam deixar essa passar: precisavam adquirir os direitos do produto e através da marca criar uma fonte inesgotável de ouro. O "garoto de sorte" foi a Warner Bros. Pictures, que adquiriu os direitos do bruxinho no final da década de 90. Porém, foi apenas na entrada do novo século que sua compra se tornara útil. No ano de 2001, o mundo fora apresentado formalmente a Harry Potter e a Pedra Filosofal, primeira adaptação cinematográfica dos romances de Rowling. E através da sua transição para a sétima arte, a popularidade do bruxinho mais famoso do mundo — que a altura já era enorme — aumentou consideravelmente e não foi por menos. Sua primeira aventura nos cinemas é delicadamente fascinante.
Porém A Pedra Filosofal carrega em seus sapatos uma pedra impertimente: o diretor americano Chris Columbus. Se por acaso o nome soa estranho aos seus ouvidos, tente refrescar a memória: além de Harry Potter e a Pedra Filosofal Columbus dirigiu a sua sequência de 2002, A Câmara Secreta; mas a carreira do diretor não para por aí. Antes já havia trabalhado com o clássico Esqueceram de Mim (1990); o engraçadíssimo Uma Babá Quase Perfeita (1993); e o delicado O Homem Bicentenário (1999), estrelado por Robin Williams. E entre os trabalhos mais recentes do diretor há a famigerada adaptação para os cinemas do Best seller Percy Jackson e O Ladrão de Raios (2010) e o decadente Pixels (2015). Porém, felizmente, apesar de todos os pesares, o resultado de A Pedra Filosofal não é porco, superando de longe os últimos desastres do diretor — mas, ainda assim, mal chegando perto de seus clássicos.
Harry Potter e a Pedra Filosofal conta a típica jornada do herói: o órfão Harry (Daniel Radcliffe) vive com os insuportáveis tios Dursley, sendo criado como uma escória. Contudo, sua vida muda ao completar onze anos de idade: Harry recebe a visita do gigante Hagrid (Robbie Coltrane) que lhe diz que é um bruxo bastante famoso — por conta de sua peculiar cicatriz — e tem uma vaga na escola de magia e bruxaria de Hogwarts. Harry, fascinado, aceita ingressar na escola, mal imaginando que nada vai ser tão fácil como parece ser: suportar o mesquinho Draco Malfoy (Tom Felton) e o intolerante Professor de Poções Severo Snape (Alan Rickman) não vai ser fácil. Contudo, isso mal chega aos pés do maior mistério que ronda a escola: o seu diretor, Alvo Dumbledore (Richard Harris), esconde nas entranhas do castelo algo valioso e poderoso, algo que alguém anda procurando e que Harry, ao lado dos amigos Rony (Rupert Grint) e Hermione (Emma Stone), fará de tudo para descobrir o que é e se possível evitar que caia nas mãos erradas.
Apesar de ser uma produção deliciosa, Harry Potter e a Pedra Filosofal não pode agradar ao fã dos livros, que já conhece a saga a fundo. Aqui, a questão não é a fidelidade — a cor de cabelo de determinado personagem ou cenas que não estão presentes. Mas sim a atmosfera, que a do livro se torna completamente superior ao do filme. Cumprindo com a sua proposta, o romance de Rowling tem uma atmosfera mágica fascinante que não só atrai as crianças como também adolescentes e adultos. Porém, quando passado para o cinema, Pedra Filosofal perde boa parte dessa mágica, e vira um filme com um ritmo bastante morno, sem um ritmo fixo que possa prender o espectador — a não ser que este seja uma criança. A criança, com certeza, irá se fascinar com todos os aspectos do filme, mas o ritmo morno do longa provavelmente fará o adulto dormir. Columbus segura bastante o filme, de maneira que ele não contenha certo dinamismo.
E falando de dinamismo, a falta deste está realmente no elenco principal. Embora sejam crianças e por conta da pouca idade não se possa extrair muito de suas atuações, algumas conseguem ser de longe carismáticas, e essa falta de carisma se torna mais gritante no protagonista da produção — Daniel Radcliffe. Porem, como dito, na época Radcliffe era apenas uma criança, então sua atuação pífia — que se faz presente até A Câmara Secreta — não pode ser necessariamente de toda criticada. Por que, afinal, ao longo dos anos o ator se achou no personagem, evoluindo sua atuação que não tinha nada de interessante.
Em contra partida, se é algo que Columbus e o roteirista Steve Kloves souberam fazer, através do roteiro, foi quanto à relação do trio principal. Ambos cineastas conseguiram trazer com fidelidade a amizade para as telonas, fortificado uma das maiores vantagens de Harry Potter — o companheirismo e a amizade. E em poucos minutos o público se familiariza com Ron, Harry e Mione, apesar do ritmo do filme. E é preciso reforçar: a importância da amizade não é uma das únicas mensagens que Columbus e Kloves trazem para o cinema; há outras, e ainda mais enriquecidas. A importância ao mais fraco — Neville e os seus pontos para Grifinória —, e o preconceito e intolerância para com os diferentes, presente até mesmo entre o mundo bruxo — Malfoy e sua patota considerando Hagrid inferior por ser um gigante, e outros bruxos por não possuírem sangue puro; o pano de fundo no qual o filme bate — amor —, tratado da melhor maneira possível, e tornando-se de longe clichê e batido; e como se não fosse o suficiente, o mundo bruxo não se destoa muito do mundano — ou o dos trouxas: vemos o reflexo da humanidade no mundo de Harry Potter, o bem e o mal se confrontando, a ganância e a busca pelo poder, e um ditador com complexo de Deus com o intuito de dizimar a própria raça por considerá-la inferior — tudo isso presente na composição do antagonista Lorde Voldemort (Richard Bremmer) — ou Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. E isso também se torna mérito, claro, da escritora J. K. Rowling.
Harry Potter e a Pedra Filosofal também carrega um grande nome em sua produção: John Williams, compositor da trilha sonora original, que assim como trabalhos anteriores do músico — Tubarão, E. T. — O Extraterrestre, Superman e Guerra nas Estrelas — criar uma trilho sonora original icônica e marcante, coerente com a estética do filme, e que preenche nossas cacholas por um bom tempo.
E é fato que, embora lançado em 2001, A Pedra Filosofal foi gravado um bom tempo antes — talvez em 2000 ou até mesmo em 99, quando a Warner havia adquirido os direitos do personagem. E apesar disso, o filme tem uma boa finalização quanto a efeitos especiais. Embora evidentemente seja uma tecnologia 3-D, de trasgos a um cão de quatro cabeças, todas as cenas que usam do efeito especial estão boas — exceto os voos de vassoura, por que realmente não dá para engolir aqueles modelos 3-D.
Apesar de seus tropeços, A Pedra Filosofal traz o universo Harry Potter para os cinemas com fidelidade, e com certa ausência da atmosfera do material original, enche os olhos das crianças, não só com boas cenas de aventura como também doutrinas que a franquia aplica desde seus livros. E apesar de tudo o longa se torna um clássico da fantasia, permanecendo na memória de muitas crianças, que hoje já são adultos, que na época acompanhavam, no Natal, na saudosa SBT.
Nota: 7.3/10