TÁR
"TÁR" é escrito, produzido e dirigido por Todd Field e estrelado por Cate Blanchett. É o primeiro filme do diretor desde o lançamento do excelente "Pecados Íntimos" (2006). O filme mostra a queda de uma compositora e maestrina, Lydia Tár.
Lydia Tár - uma renomada maestrina e compositora no mundo internacional da música clássica. Uma das figuras mais importantes da música nos tempos atuais. Formada com habilitação em piano clássico. Ela tem PhD em musicologia na universidade de Viena. É especializada na música indígena. Como regente ela iniciou sua carreira na Orquestra de Cleveland, depois ocupou cargos importantes na Orquestra da Filadélfia, na Orquestra Sinfônica de Chicago e de Boston, até chegar na Filarmônica de Nova York. Lydia Tár já compôs para o teatro e para o cinema e é uma "EGOT", por ganhar os quatros principais prêmios do entretenimento - o Emmy, o Grammy, o Tony e o Oscar.
Como podemos observar, Lydia Tár é um verdadeiro fenômeno, uma das figuras mais importantes da história. É óbvio que todos nós vamos nos perguntar quem definitivamente é Lydia Tár, se de fato ela é uma pessoa real. Inúmeras perguntas vão surgir. É muito curioso como o longa de Todd Field tem sido vendido como um filme biográfico, com a mídia e os telespectadores falando sobre Lydia como se ela fosse uma pessoa real. E contando com as inúmeras cinebiografias que tem sido lançadas nos últimos anos, o apelo de ver uma dramatização de fatos reais tem sido cada vez maior.
Dentro desse contexto surgi "TÁR", uma cinebiografia baseada em uma personalidade fictícia - mas como assim? É possível?
O roteiro escrito por Todd Field é de uma genialidade incrível, nos impressiona como toda história da vida de Lydia é nos passado, e de uma forma verdadeira, que transmite veracidade em cada fato apresentado. A forma como o roteiro começa a nos apresentar quem é a Lydia Tár e como surgiu todo esse fenômeno é instigante, é impressionante, com um misto de confuso e complexo. Vamos acompanhando todo o drama da vida, do legado e da queda dessa premiada diretora/compositora. É muito interessante de acompanhar como ela vai do estrelato ao fundo do poço (praticamente), como o roteiro faz questão de compartilhar a forma que se deu sua trágica história e como ela perdeu tudo.
O roteiro brilha por nos obrigar a querer desvendar e entender quem é esta figura tão renomada e tão cultuada. E muito por observarmos como a Lydia serve de base de inspiração, serve como mentora e modelo para várias mulheres jovens que desejam ingressar nesse mundo dos maestros, o que geralmente é uma carreira predominantemente dominada por homens. Este já é um ponto bastante curioso, a maneira como Lydia se comporta dentro desse ambiente, a forma como o filme exibe os paradoxos e vícios do poder no mundo artístico. O longa toca exatamente nesse ponto e levanta questões sobre a moralidade da arte e dos artistas, assim como a cultura do cancelamento e da exclusão.
É incrível como o roteiro nos mergulha em um verdadeiro drama psicológico, nos estabelece em um universo complexo e desafiador, nos apresentando a queda, a perda, a degradação e a descaracterização de Lydia Tár. Lydia era um ser humano brilhante, genial, mas ao mesmo tempo era autodestrutiva, uma bomba relógio. O comportamento inadequado de Lydia com suas ex-alunas, a forma como sua carreira e sua vida pessoal se desmorona quando sua esposa a deixa com sua filha adotiva. Tudo vai acontecendo em sua vida e colocando seu mundo de cabeça para baixo. Na medida que ela tenta controlar sua vida ela vai lentamente sendo destruída, ela vai perdendo o controle sobre toda situação, sua máscara cai, seus segredos vão sendo revelados, sua natureza abusiva e corrosiva do poder começam a vir à tona. Aquela típica expressão cair do pedestal se encaixa perfeitamente aqui.
"TÁR" é aquele típico filme feito para a sua protagonista brilhar, no caso aqui, a maravilhosa e impecável Cate Blanchett. Cate carrega o filme nas costas e nos mostra a verdadeira personificação da Lydia Tár. Temos aqui um excelente estudo de personagem, um excelente estudo do alter ego, pois a própria Lydia se depositava a máxima confiança, se identificava como uma segunda personalidade através de uma espécie de múltiplas identidades. É incrível como a Cate incorporou uma personagem com múltiplas facetas, com múltiplas camadas, que era leve como uma pena e ao mesmo tempo pesada como uma rocha. Uma atuação grandiosa, precisa, compenetrada, requintada, elegante, com um gestual maravilhoso, com uma linguagem corporal absoluta, com expressões faciais incríveis, com uma performance que ia do encantamento ao espanto, do surpreendente ao incrédulo, do mágico ao morto, da alegria à dor e da singularidade ao avassalador.
Eu nunca me canso de elogiar às atuações da Cate Blanchett, pois ela é uma atriz incrível, uma atriz maravilhosa, uma atriz talentosíssima, que sempre entrega trabalhos impecáveis, grandiosos, que sempre foi consagrada e premiada pelas inúmeras personagens memoráveis que fez ao longo da sua invejável carreira cinematográfica. Todd Field disse que escreveu o roteiro especificamente para Cate Blanchett e que, se ela dissesse não, "o filme nunca teria visto a luz do dia" - eu concordo plenamente com esta decisão.
Tecnicamente o longa de Todd Field beira a perfeição!
Começando pela maravilhosa trilha sonora da compositora islandesa Hildur Guðnadóttir (que é citada no filme como uma personalidade que já trabalhou com a Lydia Tár). Em um filme onde temos todas as atenções voltadas para os números musicais, é praticamente impossível a trilha sonora não se destacar, não se sobressair, e aqui é exatamente o que acontece...com uma trilha sonora perfeita e muito bem encaixada, que dava ainda mais destaque e dinâmica para as cenas performáticas da Lydia Tár. A fotografia salta aos nossos olhos em cada cena, em cada detalhe de estética e de enquadramento, méritos todos do alemão Florian Hoffmeister ("Segredos Oficiais"). A direção de arte também é um charme de qualidades e detalhes, que exemplificam ainda mais os cenários e engloba a cenografia, figurino, maquiagem e efeitos.
"TÁR" estreou no 79º Festival Internacional de Cinema de Veneza em setembro de 2022 e foi aplaudido de pé por seis minutos pelo público, onde a Cate Blanchett ganhou a Copa Volpi de Melhor Atriz. Teve um lançamento limitado nos cinemas nos Estados Unidos em 7 de outubro de 2022, antes de um amplo lançamento em 28 de outubro, pela Focus Features. O longa foi aclamado pela crítica especializada, que elogiou a performance de Blanchett, a direção e roteiro de Field, e sua cinematografia, edição e design de som. Tanto o New York Film Critics Circle quanto a Los Angeles Film Critics Association o consideraram o melhor filme de 2022, e foi considerado um dos melhores do ano pelo American Film Institute. No próximo Globo de Ouro, o filme recebeu indicações para Melhor Filme - Drama, Melhor Roteiro e Melhor Atriz em Filme - Drama (merecidamente para a Cate Blanchett). No Critics Choice Awards o longa foi nomeado em 7 categorias, incluindo Direção, Atriz e Melhor Filme. O longa-metragem foi nomeado "Melhor Filme do Ano" pela Vanity Fair, The Atlantic, Variety, The Hollywood Reporter, Entertainment Weekly, e pela pesquisa anual da IndieWire com 165 críticos em todo o mundo.
Apesar das críticas positivas, o filme arrecadou US$ 5,6 milhões contra um orçamento combinado de produção e marketing de US$ 35 milhões. O marketing de pré-lançamento de "TÁR", junto com o uso de críticos da vida real como Adam Gopnik no filme falando do personagem central como uma pessoa real, deixou a impressão de que o filme era uma cinebiografia tradicional sobre um maestro real e não uma obra de ficção.
Todd Field nos entrega uma cinebiografia fictícia extraordinária. "TÁR" é um filme filosófico, um drama psicológico que vai sendo construído com o passar do tempo e vai sendo desenvolvido com os acontecimentos que permeia a vida de Lydia Tár. Realmente é um filme difícil de ser digerido e interpretado, principalmente em sua primeira hora, onde temos um roteiro mais centrado na apresentação e desenvolvimento da história da Lydia Tár, onde necessariamente vai exigir mais paciência e mais concentração do espectador, onde fatalmente pode cansar outros que não tenham essa paciência. Mas por outro lado temos um excelente drama biográfico, uma produção rica em temas pertinentes em nosso cotidiano, como é o caso da abordagem sobre a cultura do cancelamento, que atualmente está em bastante evidência.
"TÁR" é um filme mais seco, mais cru, mais pesado, mais intimista, que aborda temas como o estudo de personagens e o alter ego entre suas mais variadas camadas, dentre elas a obsessão pela arte perfeita e a imposição corrosiva do perfeccionismo - algo que está ligado diretamente e me remete para duas obras-primas geniais - "Whiplash" e "Cisne Negro".
"TÁR" é uma experiência incrível! [06/01/2023]