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    Asteroid City
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Asteroid City

    Seria cômico, se não fosse trágico. E vice-versa.

    por Aline Pereira

    Basta assistir a um único filme de Wes Anderson para reconhecer seu estilo em qualquer outra obra que você veja depois. Não à toa, a identidade visual do cineasta virou febre nas redes sociais e a inteligência artificial já tentou reproduzi-lo em todos os filmes que você possa imaginar. Com Asteroid City, a sensação de reconhecimento imediato é ainda mais intensa: o filme de 2023 tem a assinatura do cineasta em cada pedacinho da tela, nos deslizes – é verdade –, e em uma história que podemos começar a descrever com: seria cômica, se não fosse trágica. E vice-versa, eu acho.

    Localizada em uma minúscula cidade fictícia em meio ao deserto norte-americano na década de 1950, Asteroid City começa com a imagem de um "apresentador" narrador interpretado por Bryan Cranston, de Breaking Bad, e descobrimos que, na realidade, retrata o desenvolvimento de uma peça, enquanto conhecemos o dramaturgo que a criou. A maior parte do filme se passa dentro dos atos da peça, cujo tema central é a chegada de um elemento inesperado que acaba prendendo lá todos os moradores e visitantes – e agora, vamos a eles.

    Em sua “cidade do asteroide”, Wes Anderson reúne um elenco de estrelas de cair o queixo com altíssimas chances de contar com pelo menos um dos seus atores hollywoodianos favoritos. Temos, por exemplo, mas não só: Tom Hanks, Scarlett Johansson, Margot Robbie, Steve Carell, Tilda Swinton, Maya HawkeWillem Dafoe e uma participação do nosso brasileiro Seu Jorge. Todos eles interpretam personagens dentro da peça que fazem parte desta peculiar cidadezinha cujo atrativo turístico é uma cratera deixada pela queda de um meteorito.

    Universal Studios

    A melancolia “fofa” de Wes Anderson

    Quem já está familiarizado com as obras do diretor vai entender com facilidade o “espírito” aqui: o visual em tons pastel de desenho animado serve para contar histórias com fundos melancólicos que, na verdade, representam dilemas existenciais. Assim, O Fantástico Senhor Raposo e O Grande Hotel Budapeste, por exemplo, ganham um companheiro que explora uma aventura expansiva, mas que se movem mesmo com pequenas histórias humanas.

    O protagonista de Asteroid City talvez seja a própria cidade, mas os personagens de maior destaque são os de Jason Schwartzman e Scarlett Johansson, Auggie e Midge. Ele é um fotógrafo de guerra que perdeu a esposa há pouco tempo e chega à cidade acompanhado do introspectivo filho adolescente e de suas três filhas pequenas, que acreditam ser bruxas – uma conversa sobre a morte da mãe é um martírio para Auggie, que chama o sogro (Tom Hanks). Este personagem, por sua vez, não se dá bem para o genro, mas vive com as netas uma luta para entender o que fazer com as cinzas de sua filha.

    Enquanto isso, Midge Campbell é uma estrela de cinema – com um toque muito Marilyn Monroe – que chega à cidade com a filha e está sempre flertando com a ideia da morte trágica de grandes artistas, embora muito disso seja mais uma performance do que qualquer outra coisa. Os encontros entre os dois acontecem principalmente pela janela, cada um em sua hospedagem, cheio de tensões e desconfortos que passam pela fragilidade e pelo tédio da vida.

    Universal Studios

    Há uma dezena de outros personagens que também são importantes para a história, como o dono da pensão da cidade interpretado pelo astro de The Office Steve Carrel ou o general de Jeffrey Wright (Westworld) – após o misterioso incidente que acontece em Asteroid City, é ele quem proíbe toda a população presente de deixar a cidade por mais alguns dias.

    Não vamos dar spoilers, por aqui, é claro, mas o “incidente” é um acontecimento de dimensões globais, que muda tudo o que conhecemos sobre o universo. Ainda assim, a questão mais latente e mais interessante é: o que conhecemos sobre nós mesmos? Os personagens estão diante de um marco na história, uma mudança definitiva de paradigmas e finalmente obtiveram a resposta para uma das questões mais antigas que a humanidade já fez e, ainda assim, são as pequeníssimas questões individuais, de relacionamento e de política que guiam as escolhas – nem sempre muito inteligentes.

    A história de Asteroid City deixa uma sensação de “e agora?”. O evento que aconteceu traz muito mais perguntas do que respostas e ao mesmo tempo em que deveria causar naqueles personagens uma mudança radical de perspectiva sobre o mundo, o grande dilema do adolescente é lidar com a garota por quem está apaixonado e ainda não sabe muito bem como demonstrar. Nada mais humano do que isso.

    Universal Studios

    Asteroid City poderia ir além, mas escolhe quantidade à profundidade

    Ao contar muitas pequenas histórias paralelas – ainda mais com personagens interpretados por um elenco classe A do cinema –, o filme de Wes Anderson caminha apenas na superficialidade. Dá para entender, sim, que a história fala da arte e da própria criação cinematográfica, mas a responsabilidade de tirar reflexões dali fica para quem está assistindo. O drama nos dá um gostinho de quem são aqueles personagens e quais são suas verdadeiras histórias, mas não vai além disso – e não parece uma escolha “enigmática” e simbólica, mas sim uma preferência pela presença do máximo de atores possível.

    Com isso, temos um longa que, apesar da proposta filosófica, é bem simples. Asteroid City tem mais um clima de fábula que pode te fazer rir com diálogos e acontecimentos absurdos, que se tornam ainda mais esquisitos (no bom sentido da palavra), quando combinado à estética impecável de Wes Anderson. A atenção aos detalhes das cenas, da simetria ao figurino, tornam o trabalho dele único (ao contrário do que o TikTok faz parecer!) e a sensação é de que o visual tenta colocar ordem em uma história que, na realidade, é caótica. Pessoalmente, é este fator específico que tornam as obras de Wes Anderson uma alegria, mas com o fundo melancólico de que já falamos.

    Um filme para fãs?

    Em 2022, A Crônica Francesa sofreu com problemas parecidos com os de Asteroid City – em especial, a quantidade de histórias sendo pinceladas –, mas o filme de 2023 certamente vence o anterior na força do carisma. Talvez os fãs do cineasta se sintam divididos aqui, mas o longa oferece aos novos espectadores uma visão bem clara do que é o trabalho do diretor. Não significa que é seu melhor filme, mas convida o público a compartilhar de sua visão não muito convencional ou “você não pode acordar se não dormir”, como nos dizem seus personagens.

     

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