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    O Senhor dos Mortos
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    O Senhor dos Mortos

    Conspiração é o novo sexo: David Cronenberg reflete sobre o luto de forma inusitada e provocativa

    por Bruno Botelho dos Santos

    O corpo humano sempre foi objeto de fascínio para o cinema de terror, normalmente relacionado com sexo, tecnologia, violência, mutação, doenças e transformações. Poucos cineastas compreenderam tão bem esses elementos em seus filmes quanto David Cronenberg, considerado o pai do body horror (horror corporal, em tradução), responsável por clássicos do subgênero como Os Filhos do Medo (1979), Scanners - Sua Mente Pode Destruir (1981), Videodrome - A Síndrome do Vídeo (1983), A Mosca (1986), Gêmeos - Mórbida Semelhança (1988), Crash - Estranhos Prazeres (1996) e eXistenZ (1999).

    Depois desta fase, o diretor canadense começou a explorar novos caminhos e gêneros em sua carreira, ainda lançando produções aclamadas como Marcas da Violência (2005), Senhores do Crime (2007), Um Método Perigoso (2011), Cosmópolis (2012), Mapas para as Estrelas (2014), até seu retorno triunfal às origens do body horror com Crimes do Futuro (2022).

    The Shrouds / O Senhor dos Mortos (2024) não é necessariamente horror corporal, mas conversa muito intimamente com essa temática, partindo para reflexões tanto sobre sua vida pessoal quanto sua carreira.

    Qual é a história de O Senhor dos Mortos?

    Pyramide Distribution

    O Senhor dos Mortos acompanha o renomado e inovador empresário Karsh (Vincent Cassel). Inconsolável desde a morte da sua esposa, ele inventa a GraveTech, uma tecnologia revolucionária e controversa que permite aos vivos monitorar entes queridos em suas mortalhas. Certa noite, vários túmulos são violados, incluindo o da companheira falecida de Karsh. Ele então sai à procura dos culpados.

    Esse é, sem dúvidas, o projeto mais pessoal de Cronenberg, um reflexo da perda de sua esposa, Carolyn Cronenberg, que morreu de câncer aos 66 anos em 2017. Por isso, é um filme sobre o luto, de uma maneira um tanto inusitada e provocativa, que só poderia ter saído da mente inquietante do diretor.

    O corpo em decomposição: A morte e o luto de David Cronenberg

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    A filosofia de Crimes do Futuro é que o "corpo é realidade", com todas suas transformações e mutações como uma forma de adaptação. Então, é interessante como O Senhor dos Mortos de certa forma dá continuidade a isso, mas matando esse conceito. Então, o que acontece na morte do corpo físico? Aqui, temos uma busca desesperada por sua manutenção, como permanência da memória e principalmente um ideal de existência – aspecto significativo para Cronenberg, que se considera ateu.

    O personagem interpretado por Vincent Cassel, Karsh, que é em certos aspectos quase uma persona de David Cronenberg, cria uma tecnologia para manter essas pessoas mortas em mortalhas, o que ela faz com sua esposa Becca (Diane Kruger), como uma forma de ter algo ao que recorrer após sua morte. Com isso, ele pode assistir em tempo real seu corpo em decomposição.

    É Cronenberg discutindo novamente sobre nossa relação com a tecnologia, que ele já havia explorado bem anteriormente em Videodrome e eXistenZ, e como nossas vidas e relações orgânicas são tomadas cada vez mais pela artificialidade e vigilância.

    Toda essa artificialidade é muito bem representada em tela por David Cronenberg e, especialmente, pela direção de fotografia estéril e fria apresentada por Douglas Koch, pontuada pela inquietante trilha sonora de Howard Shore. Existe um apego ao corpo de uma maneira quase religiosa, pois até mesmo na morte ele continua sendo controlado e violado. O corpo não pode deixar de existir e não há nada que o substitua.

    Conspiração é o novo sexo em O Senhor dos Mortos de Cronenberg

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    Apostando em uma abordagem mais fria, menos sentimental e melancólica do que uma produção sobre luto normalmente apresentaria, David Cronenberg segue pelo lado oposto evitando a meditação sobre a dor e aposta na verborragia, no humor ácido – mas que conversa bem com essa ideia de mundo artificial.

    Uma escolha interessante, mas que não vai agradar a todo mundo. Ele exige paciência e que o público realmente abrace essa ideia concebida, já que o filme é composto basicamente por diálogos em suas quase 2 horas de duração. Por isso, ele se torna um tanto quanto repetitivo em sua narrativa e estrutura.

    Conforme a trama avança, os personagens caem em uma espiral de paranoia e conspiração como uma forma de tentar compreender e lidar com o luto que os aflige. Isso acontece principalmente pela amizade com sua ex-cunhada, Terry (também interpretada por Diane Kruger), e seu irmão Maury (Guy Pearce). Todos eles estão em busca de algum sentido, não apenas para a morte, mas no mundo. É por isso que a conspiração funciona como o novo sexo em O Senhor dos Mortos.

    Enquanto a dor toma conta desses personagens, recorrer para as teorias da conspiração é reconfortante e excitante, uma maneira de eles sentirem que estão vivos. Isso fica explícito pela relação entre Karsh e Terry. Em meio a toda artificialidade no capitalismo de vigilância, eles encontram ternura em teorizar sobre os segredos geopolíticos do mundo. O sexo é nada menos que a excitação por um sentido (e propósito) de existência.

    Vale a pena assistir O Senhor dos Mortos?

    Pyramide Distribution

    O Senhor dos Mortos é o filme de luto mais estranho que você vai assistir. Em um dos seus filmes mais divisivos, David Cronenberg lida com o luto com uma abordagem fria e verborrágica, o que vai desagradar muita gente, mas continua mostrando seu lado mais provocativo ao trabalhar novamente com suas grandes obsessões: corpo, sexo e tecnologia.

    A carreira de Cronenberg ficou marcada pelo body horror, então nada mais justo que um filme que trabalha com a morte e a decomposição da carne. Se o corpo é realidade, é ainda mais doloroso ver o fim da existência de aqueles que amamos.

    Filme assistido na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

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