Apresentando os Ricardos (Being the Ricardos)
O longa é escrito e dirigido por Aaron Sorkin, e nos retrata diretamente à cinebiografia de Lucille Ball (muito bem interpretada pela talentosíssima Nicole Kidman). A trama transcorre durante uma semana específica de produção da série 'I Love Lucy' (um dos maiores sucessos na TV americana nos anos 50), nos evidenciando como a Lucy Ball se tornou uma das grandes lendas do entretenimento hollywoodiano. Lucy foi uma das maiores personalidades em sua época, uma artista completa, ela foi atriz, comediante, cantora, modelo, executiva cinematográfica, e produtora televisiva norte-americana.
"Being the Ricardos" pode ser interpretado como uma biografia, ou até mesmo um documentário do casal Lucille Ball e Desi Arnaz (Javier Bardem), pois acompanhamos diretamente todo o processo de criação pelo qual cada um é submetido ao longa de suas vidas, desde suas descobertas, passando pelas suas pretensões, almejando às suas ambições, até chegar em suas inevitáveis frustrações. Somos confrontados com os bastidores de gravação do sitcom 'I Love Lucy', juntamente com a inevitável crise no casamento, o que poderia colocar em risco (e até arruinar) a vida profissional de cada um. Ainda acompanhamos a surpresa da descoberta da gravidez da Lucy (durante o programa), e a acusação de comunista que lhe caiu sobre os ombros.
Particularmente eu prefiro o Aaron Sorkin como roteirista do que diretor, e isso está muito evidente nos roteiros que ele assina em "Steve Jobs", "O Homem que Mudou o Jogo", "Jogos do Poder", e ganhando o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado por "A Rede Social", em 2011. Já em direção, Sorkin nos entregou obras que pra mim são completamente contestáveis, como "A Grande Jogada", de 2017, e o próprio "Being the Ricardos". Não posso falar de "Os 7 de Chicago" porque ainda não assisti.
Eu não conheço a fundo a biografia de vida da Lucille Ball, portanto eu não posso afirmar sobre os acontecimentos que permeia o roteiro do longa do Sorkin, ou até mesmo sua ordem cronológica dos fatos que nos foi entregue, mas acredito que o Sorkin utilizou uma liberdade criativa em seu roteiro, e de certa forma misturou vários pontos entre si, tentando focar em vários acontecimentos naquela única semana da vida da Lucy, que pra mim ficou um tanto quanto perdido e meio desconexo. O roteiro em si tenta focar no drama, na ambição, na incerteza, mas depois já romantiza, já suaviza, e entra com uma válvula de escape mais leve (em certas partes soando até mais cômico). E o roteiro ainda vai mais além, quando tenta tocar em uma certa parte política, se utilizando apenas como um mero elemento de discurso, ao nos apresentar a acusação sobre o comunismo da Lucy Ball, mas de uma forma totalmente vaga, vazia, sem um aprofundamento, me soando apenas como uma parte obrigatória do roteiro que deveriam tocar de qualquer jeito.
Acredito que o Sorkin quis focar em vários acontecimentos da vida da Lucy Ball, mas faltou tempo (até tempo de duração do filme), faltou desenvolvimento, e o tiro saiu pela culatra, acabou ficando um roteiro sem coesão e sem harmonia (e ainda está concorrendo nas premiações deste ano....estou pasmo!). Definitivamente este novo trabalho do Aaron Sorkin não me pegou, não me cativou, não consegui me conectar, não consegui me envolver com a trama, em todos os momentos eu estava com aquela sensação de que faltava alguma coisa. Por ser um roteiro baseado em uma história real (que poderia agradar mais facilmente), eu achei a história chata, maçante, monótona, chegando até a me entediar (principalmente no primeiro ato).
A fotografia do longa é muito boa, fazendo um bom uso do preto e branco, se destacando ainda mais com aquele contraponto entre às cenas coloridas e às cenas em preto e branco. A trilha sonora de Daniel Pemberton é boa, está aceitável, com destaque maior paras às cenas em musicais e cantadas pelo Javier Bardem (Daniel Pemberton ainda conseguiu uma indicação no BAFTA). Apesar que eu ainda senti uns pequenos (porém notáveis) problemas de montagem e edição.
O principal (e único) ponto positivo no longa está justamente no elenco.
Nicole Kidman é uma das melhores atrizes de sua geração e nunca nos decepciona. Kidman dá uma personalidade bem estruturada e muito segura para a sua interpretação dessa personalidade tão influente em sua época, Lucille Ball. Kidman está leve, solta, alegre, se diverte em cena, nem parece uma atuação. Kidman está em perfeita harmonia e sintonia com Javier Bardem, alcançando uma ótima química em cada cena que nos era apresentada. Nicole Kidman já levou este ano o Globo de Ouro e está concorrendo no SAG's, Critics, sendo totalmente esnobada no BAFTA. No Oscar ela integra a lista de Melhor Atriz, e na minha opinião, com chances claríssimas de levar o prêmio (uma das favoritas).
Javier Bardem conversa diretamente com a Nicole Kidman, pois juntos eles tiveram às melhores atuações do longa. Bardem dá alma, dá definição, dá uma direção muito bem ajustada em sua interpretação na pele do cubano Desi Arnaz, onde ele se destaca atuando, performando, cantando e até arriscando uns pequenos passos de dança. Uma atuação rica em detalhes, com um timing perfeito e um resultado muito satisfatório, que lhe rendeu indicações no Globo de Ouro e no SAG's, sendo esnobado no BAFTA e no Critics. No Oscar Bardem também está indicado, mas a meu ver, completamente fora da disputa entre Benedict Cumberbatch, Andrew Garfield e Will Smith (meu favorito).
J. K. Simmons é um ator que eu gosto muito, já tive experiências incríveis com ele, como em "Whiplash", de 2014, onde ele entrega uma atuação que deixou boquiaberto até hoje. Aqui ele nos entrega um personagem bastante curioso e intrigante, mas que funciona perfeitamente em cena, e principalmente no que o roteiro lhe impõe. Gostei da atuação do J. K. Simmons em "Being the Ricardos", não está no mesmo nível de "Whiplash" (muito óbvio), mas já lhe garante uma indicação de Coadjuvante no Oscar, que na minha opinião, ficará apenas como lembrança, mas dificilmente ele terá forças para ganhar. (ele também está indicado no Critics)
É realmente impressionante como os serviços de streeming vem ganhando, a cada ano, mais força e destaques nas premiações: como a Netflix este ano com "Tick, Tick... Boom!", "Não Olhe para Cima" e "Ataque dos Cães", e a Apple TV com "A Tragédia de Macbeth". "Being the Ricardos" é a nova aposta da Amazon Prime para esta temporada de premiações, porém o longa do Aaron Sorkin corre bem por fora, obtendo pouquíssimas indicações: no SAG's o filme teve apenas uma indicação para o Javier Bardem. No Critics obteve apenas três indicações - para a Nicole Kidman, J. K. Simmons e Roteiro Original para o Sorkin. No BAFTA o longa obteve nomeações de Roteiro Original e Trilha Sonora (esnobando todos do elenco). No Globo de ouro o longa ganhou a estatueta com a Nicole Kidman e obteve mais duas indicações, Ator e Roteiro. Uma das poucas vezes em que eu concordei plenamente com às indicações do Oscar, foi em "Being the Ricardos", pois pra mim o filme falha em vários pontos e acerta somente em três, que são exatamente os três indicados ao Oscar, Ator, Ator Coadjuvante e Atriz.
"Being the Ricardos" é um filme bem mediano, bem fraco, que pra mim não funcionou em praticamente nada, salva-se o elenco. Aaron Sorkin já domina os roteiros (em produções passadas), mas falta evoluir como diretor, falta acertar a mão, falta nos apresentar um trabalho que salte aos nossos olhos também em direção. "Being the Ricardos" se segura apenas pelos seus protagonistas, pois é muito claro que o objetivo traçado pelo Sorkin não foi alcançado.
Não posso deixar de mencionar uma cena do filme que aparece uns belos quadros da sétima arte ao fundo que são: "Suspicion", de 1942, do Alfred Hitchcock / "Stromboli", de 1951, do Roberto Rossellini / "Swing Time", de 1936, do George Stevens / "Top Hat", de 1935, do Mark Sandrich. [12/02/2022]