A Baleia (The Whale)
"A Baleia" é uma produção da A24 Films, dirigido por Darren Aronofsky e escrito por Samuel D. Hunter (roteirista da série "Baskets"), baseado em sua peça de mesmo nome de 2012.
Darren Aronofsky é aquele típico diretor ame ou odeie, pois ele tem o dom de causar polêmicas com suas obras, levantar diversas discursões sobre os mais variados assuntos, trazer temas que consiste em gerar inúmeros debates. De fato o Aronofsky nunca foi sutil com os seus filmes anteriores, ele sempre foi obcecado em retratar a obsessão humana, sempre usando uma forma impactante ao demonstrar o sofrimento de seus personagens; como exemplo posso citar "Réquiem para um Sonho", "Cisne Negro" e "O Lutador". Por outro lado Aronofsky também demonstra o seu lado minucioso, perfeccionista, obcecado em trazer suas histórias com alusões, alegorias, menções e citações bíblicas, ou seja, expor o seu ponto de vista em determinadas obras, que muita das vezes gera uma grande polêmica e soa como uma afronta para as pessoas. Este é o caso de obras como "Noé", "mãe!" e "A Baleia".
O longa-metragem nos confronta com a história de Charlie (Brendan Fraser), um recluso professor de inglês de meia-idade que pesa 272 kg. Ele vive preso dentro de seu apartamento, tendo como visita apenas a sua colega enfermeira Liz (Hong Chau), que o ajuda constantemente com algumas de suas necessidades. Charlie sofre de obesidade mórbida e tenta a qualquer custo se reconciliar com sua filha adolescente de 17 anos, Ellie (Sadie Sink).
Novamente temos um Darren Aronofsky obcecado em retratar a obsessão humana em seu mais novo trabalho, ou seja, levantar pontos como a obesidade, a gula e a compulsão alimentar. E o mais interessante é observar que o filme não é somente sobre a obesidade mórbida, pois ele vai muito mais além ao levantar diversas discursões sobre traumas, medos, frustrações, transtornos, luto, dores, perdas e depressão. Temos aqui uma obra que fala sobre a redenção humana, sobre a conexão humana, um verdadeiro drama comportamental, um drama psicológico, um estudo da psicologia que nos mostra uma pessoa que errou na vida e hoje não sabe lidar com os seus erros, com os seus traumas, com as suas frustrações, com as suas feridas, e que resolveu se trancar dentro de si, e que no momento se encontra em um estado crítico e procura desesperadamente uma forma de alcançar a sua redenção no pouco tempo que lhe resta.
Este é o cenário atual de Charlie, o ostracismo, a reclusão, o exílio, a dor, a culpa, o medo, e tudo baseado em decisões que ele tomou em sua vida no passado e que hoje está refletindo negativamente em sua vida. Charlie abandonou sua esposa e sua filha de 8 anos para viver um romance homoafetivo com um de seus alunos, que mais tarde veio a falecer. Dessa forma Charlie então passou a comer compulsivamente de dor e culpa pelo ocorrido, chegando a engordar e chegar na forma que ele se encontra atualmente. Hoje Charlie carrega sua parcela de dor e culpa e isso está refletindo diretamente em sua aproximação com sua filha.
Um dos pontos mais interessantes no longa é notar que Charlie se entregou a compulsão de comer e a obesidade não por uma escolha mas pelo fato do enorme trauma e da enorme perda que ele sofreu, isso que o levou a ativar os gatilhos dos distúrbios e da compulsão alimentar. De certa forma o longa até mostra um lado mais sensível, mais íntimo, como o fato da aceitação, do sacrifício, da repressão, da redenção e consequentemente da depressão. Outro ponto extremamente importante é o fato de não romantizar a obesidade, não tratar a obesidade como algo normal, como algo natural, pois a obesidade é muito sério, obesidade é uma doença crônica multifatorial e deve ser tratada com respeito, dignidade e humanidade, antes de mais nada.
Quando eu mencionei que "A Baleia" não é unicamente sobre obesidade, eu estava justamente me referindo sobre as mais variadas mazelas humanas; como o fato do Charlie viver com os conflitos preconceituosos que a sua aparência desperta em seus alunos, justamente pelo fato de ele ministrar suas aulas on-line com a câmera desligada. E constatamos justamente tudo isso quando ele finalmente decidi ligar sua câmera do notebook e observamos uma de suas alunas cair na gargalhada e depois tirar fotos dele - absurdo!
Mesmo que Charlie esteja naquela situação que ele sabe que é bastante crítica, ele tenta ser amável com todos ao seu redor, tenta ser amigável e bondoso, mesmo que as pessoas que estejam ali estejam unicamente para julgá-lo e maltratá-lo. Isso foi um ponto que me deixou muito incomodado, observar que Charlie não se importava em ser julgado e ofendido, pois parecia que ele recebia todas aquelas ofensas como parte da culpa que ele carregava por ter abandonado sua filha. Ele sempre aguentava os julgamento das pessoas, as agressões verbais, os olhares vulgares que o deteriorava e o degradava fisicamente, e sempre pedindo desculpas, mesmo sem ter feito nada, era uma culpa que já estava incrustada em sua alma. Nitidamente Charlie desistiu da vida mas não das pessoas, principalmente de sua filha. Embora ele esteja no caminho de uma autodestruição, ele ainda se preocupa em deixar sua filha em um mundo literalmente melhor.
"A Baleia" é um filme que choca e ao mesmo tempo nos incomoda em vários pontos. Eu fiquei bastante incomodado com a forma escolhida por Aronofsky ao usar uns takes que focava na dor e no sofrimento do Charlie ao nos mostrar o seu corpo obeso com uma forma grotesca e animalesca. Achei muito cruel e muito desumano a forma como ele aborda a obesidade, principalmente nas cenas que ele foca no Charlie em uma compulsão alimentar comendo tudo em sua frente. Eu entendo que o Aronofsky queria passar a maior veracidade possível com estas cenas, porém achei muito cruel, toda aquela autodestruição é muito pesado, é muito triste, não precisava uma exposição daquele nível e com a aquela proporção. Na minha opinião o Aronofsky erra grotescamente ao elaborar cenas para explorar a obesidade de Charlie. Principalmente em compor cenas que parece querer explorar a nossa dramaticidade a qualquer custo, por nos mostrar o Charlie se entupindo de comida sofrendo com seu vício autodestrutivo e ainda com aquela trilha sonora destruidora de fundo, como se realmente o único intuito dele era mostrar a degradação humana naquelas cenas bizarras.
Outro ponto: a própria trilha sonora é extremamente forçada, aquela típica trilha sonora que chega a incomodar nas cenas em que ela está sendo explorada. A trilha sonora até pode casar perfeitamente com o intuito da cena, mas eu achei exagerada e muito melodramática.
Outro erro de Aronofsky: eu entendo que a personagem da Sadie Sink precisava ser aquela adolescente rebelde, problemática, revoltada com a situação e principalmente com o Charlie, porém, é uma personagem extremamente forçada, exagerada, grotesca, caricata, canastrona. Pra mim é uma personagem mal escrita, mal interpretada, querendo expor a sua veia de rebelde sem causa, mas de uma forma muito forçada e pra mim totalmente desagradável. Gosto muito da atriz Sadie Sink, acompanho ela na série "Stranger Things" e a considero uma ótima atriz dessa nova geração. Porém, aqui eu acho que ela ficou devendo, sua atuação foi muito aquém do que ela de fato sabe entregar, e muito por culpa da sua personagem que foi mal escrita e as decisões do próprio Aronofsky.
Outra decisão questionável do Aronofsky está no fato da decisão em criar histórias paralelas com a história de Charlie. Acredito que a decisão em desviar a atenção do espectador da história principal foi usado como algo proposital para agregar ainda mais na trama, porém, eu acredito que a tentativa em criar um arco pessoal como no caso do personagem Thomas (Ty Simpkins) foi um tiro que saiu pela culatra. Pois no fim a sua história não foi bem desenvolvida, ficou como algo vago e falho (como aquela tentativa de ajudar o Charlie de alguma forma), claramente usado apenas como um desvio de percurso pelo fato de todos os acontecimentos que permeou a história do parceiro de Charlie.
Já a atriz Hong Chau (recentemente em "O Menu") esteve completamente excelente na pele da Liz. Liz era aquela típica amiga, ajudante, parceira, conselheira, que tinha a difícil missão de sempre ajudar o seu amigo Charlie, sempre está de prontidão quando ele precisasse. Porém, ela também tinha seus problemas, seus desafios, por ser uma pessoa descrente e por ter que ajudar seu amigo mesmo não concordando sempre com ele. Muito justa a sua indicação de Atriz Coadjuvante no Oscar.
Samantha Morton (eterna Alpha de "The Walking Dead ") compõe uma personagem até ok, dentro das suas proporções. É dela toda a responsabilidade de confrontar o Charlie pelas suas decisões do passado que está infligindo em sua filha no presente.
Falando da principal estrela do filme!
Brendan Fraser fez parte de toda geração dos anos 90 e anos 2000. É praticamente impossível não ter assistido pelo menos um dos seus filmes. No meu caso é impossível não se lembrar do seu personagem na saga "A Múmia", que eu adorava. Brendan teve alguns problemas com a indústria cinematográfica e ficou fora de cena por algum tempo. Aronofsky foi o responsável em resgatar o Brendan Fraser, assim como ele já havia feito lá em 2008 ao resgatar o ator Mickey Rourke para trabalhar em "O Lutador".
Posso afirmar sem sombra de dúvida que Brendan Fraser entrega a atuação do ano. É impressionante a entrega de Brendan para viver o Charlie, e muito por suportar passar por uma verdadeira transformação sobre as inúmeras próteses que foram colocadas em seu corpo. Por todo carisma em que ele se apresentou, e isso é um ponto bastante interessante, o poder que Brendan tinha em nos despertar amor, compaixão, nos comover verdadeiramente com sua história, por outro lado ao mesmo tempo ele conseguia nos deixar com raiva e enfurecido com suas decisões, principalmente decisões que envolvia a sua filha.
É impressionante como Brendan conseguia compor um personagem que acumulava traumas, perdas, culpas por suas escolhas, sendo que a comida era a sua culpa, a sua válvula de escape, e ele nos passava aquela pessoa vulnerável e debilitada, que estava com o psicológico frágil e totalmente destruído, porém ele ainda queria viver apenas para se dedicar à outras pessoas.
Brendan Fraser nos entrega a atuação da sua vida, uma performance delicada, sensível, primorosa, singular, ao mesmo tempo enérgica, aguerrida, voraz, com um peso e uma carga dramática muito grande. Aquela cena em que ele discute com a filha e ele chora copiosamente é de cortar o coração. Por outro lado aquela cena em que a Liz ameaça fazer cócegas nele e ele solta aquela risada gostosa, dá vontade de abraçá-lo. Brendan Fraser é o nome do ano, é o retorno do ano, trouxe a atuação do ano e está dignamente indicado ao Oscar de ator do ano - justíssimo por sinal!
Por sua impecável atuação, Brendan Fraser ganhou o prêmio de Melhor Ator no Critics 'Choice Awards e recebeu indicações de Melhor Ator no Globo de Ouro, Screen Actors Guild Awards, British Academy Film Awards e no Oscar. O filme também foi indicado para Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Maquiagem e Penteado (no Oscar), e recebeu uma indicação para o prêmio Producers Guild of America de Melhor Produtor de Filmes Teatrais.
"A Baleia" é uma adaptação de uma peça teatral, ou seja, a história se passa quase que inteiramente dentro do apartamento do Charlie, se limitando ao pouco uso de alguns cômodos do local. Dessa forma toda a história é nos contada dentro de um molde teatral, com ares totalmente teatrais, que vai desde o uso da câmera cada vez mais próxima dos personagens, o fato de quase sempre um personagem sair e o outro já entrar logo na sequência, e a utilização de algumas mudanças sutis de cenários para contextualizar o próximo cenário.
Por fim, "A Baleia" é um filme que vai dividir inúmeras opiniões, pois de fato é um longa-metragem que pode ser interpretado por diferentes visões. Não há como negar que Aronofsky construiu mais um filme polêmico, que gera discursões, que muitas pessoas estão considerando como um filme gordofóbico. Já eu vejo com um filme ok, mediano, que erra tentando acertar, que traz uma discursão em volta de um assunto extremamente importante, que é a obesidade e suas consequências.
"A Baleia" é um filme que consegue ser singelo e tocante, ao mesmo tempo que nos desperta revolta e indignação. Brendan Fraser está de volta no papel da sua vida, ao nos entregar um personagem que vai te tocar, vai te identificar, vai te comover, vai te emocionar verdadeiramente. Por outro lado eu fique extremamente incomodado com a forma como foi retratada algumas cenas, alguns personagens e algumas decisões do Aronofsky, que no fim ele mais erra do que acerta. [03/03/2023]