Definitivamente, a franquia de games Resident Evil já alcançou seu ápice e é considerada uma das melhores franquias de jogos de terror. Agora com um sétimo jogo previsto para ser lançado, a franquia conseguiu desde seu primeiro mesclar elementos de terror, misticismo — vide Resident Evil 4 — e ciência com primor e elegância, deixando aquela atmosfera de terror psicológico no jogador — sim, pode acreditar. E fazendo jus a fama, Resident Evil também conta com uma franquia de filmes para o cinema, que atualmente já conta com cinco longas e um sexto — e aparentemente último — para ser lançado este ano. Porém, foi no ano de 2002 que a adaptação dos jogos de zumbi estrelada por Milla Jovovich deu seu ponta-pé inicial com o longa Resident Evil — Hóspede Maldito, dirigido por Paul W. S. Anderson.
A produção dos estúdios Screen Gems conta sobre a Corporação Umbrella, que acidentalmente liberou um vírus mortal numa de suas instalações. Agora uma equipe de militares terá que desativar a instalação conhecida como Colmeia ao mesmo tempo que os agentes Alice (Milla Jovovich) e Spence James Purefoy, designados a proteger a instalação, tentam recuperar a memória e descobrir o que realmente aconteceu.
Para início de conversa, é preciso saber que Hóspede Maldito não carrega praticamente nada do material original no qual se baseia. Apenas o fator zumbi e as Corporações Umbrella estão lá: de resto, fora tudo modificado. Anderson inseriu novos protagonistas e aparentemente aplicou uma nova trama para a sua adaptação. Talvez esse fato incomode os saudosos fãs da franquia; porém, as modificações não são o problema real, já que o filme na verdade se trata de uma adaptação. O problema do filme que fora bastante massacrado pela crítica — se injusto ou não, isso varia de opinião — é o diretor e roteirista Paul Anderson, que trata o filme como um lixo qualquer e trabalha nele da forma mais desorganizada possível.
O longa chega a ser tão confuso que em toda a sua uma hora e quarenta minutos de duração não parece saber o que quer mostrar. No primeiro ato vemos algo parecido com O Exterminador do Futuro de James Cameron; já no segundo o filme se torna um A Noite dos Mortos-Vivos (1968); e finalmente no último e terceiro ato a trama toma a sua última forma: acaba virando um Alien, O 8º Passageiro (1979) da vida.
Obviamente isso não chega a ser um problema, já que todos os três longas são em si excelentes. O problema se volta novamente para o diretor, Anderson, que cisma em trabalhar tanta informação em tanto pouco tempo. Sendo assim, o longa tem pressa e nessa pressa não tem ritmo. No primeiro ato é alguns minutos de informações rápidas sobre o que vão enfrentar. No próximo é o grupo escapando dos zumbis em cenas longe de serem emocionantes. E ao final o filme fecha com um monstro feito com o pior CGI que você pode imaginar. Em vez de seguir o exemplo de Alien e usar efeitos práticos, Anderson partiu para a tecnologia 3D. Até o T-Rex de Spielberg que aparece em Jurassic Park: Parque dos Dinossauros de 1993 em algumas cenas em 3D tem uma finalização melhor do que o longa de 2002.
Então o filme se torna a bagunça que é, com informações sendo jogadas para todo o lado, e deixando o espectador mais perdido que Alice. E falando em Alice, a personagem de Milla Jovovich e os outros que não fazem parte do esquadrão de militares são tão jogados para as sombras que em 80% do filme se tornam descartáveis. O esquadrão ganha a maior atenção mas nem mesmo assim são bem desenvolvidos, tanto [Spoiler] que nas cenas de morte de alguns [Spoiler] o espectador não consegue se emocionar "nem um pingo".
As cenas com os famigerados zumbis também não são emocionantes, já que apesar de ter um bom controle de câmera Paul Anderson a joga muito para qualquer lado; ou seja: se num momento do filme você está vendo o grupo correndo pelo esgoto, no outro um dos membros aparece inesperadamente nos braços dos zumbis. A trilha sonora a lá balada dos anos 90 atrapalha mais. Apesar de ter como intuito uma temática eletrônica que se encaixa na estética do jogo a instrumental se torna bastante barulhenta e corriqueira e ao final clama por mais atenção que as cenas em si; se nas cenas em que aparece os personagens começassem a dançar a trilha talvez fizesse sentido.
A direção de Anderson, como já dita, além de confusa, é lenta e arrastada, não oferecendo nada de atraente e uma cena se quer na qual o fator terror ou suspense se façam presentes. O roteiro pode contar com fatores até certo ponto interessantes, contudo Anderson joga informações a cada minuto, inferiorizando as anteriores e tornando as próximas o menos impactante possível. Além disso, ainda há certos diálogos que ditos pelos seus respectivos personagens tornam a cena digna de novela mexicana — você assiste a cena com atenção e começa a perceber que não se surpreenderia se o filme acabasse daquele ponto e a música tema de Maria do Bairro tocasse e os créditos começassem a rolar.
O longa trabalha no geral com três vilões. Temos, obviamente, os zumbis. E além deles há a Rainha Vermelha, a Inteligência Artificial que comanda a Colmeia. Capaz de fazer de tudo, a Inteligência Artificial com voz e "aparência" de uma garotinha de dez anos não mede esforços para ser cruel e é aí que está o problema: o diretor mostra tão rápido do que ela é capaz que o espectador já não teme mais por nada e não se sente tão surpreso com suas próximas atitudes. E [Spoiler] o terceiro vilão que acaba se revelando Spencer fora tão descartável no desenvolver da trama que provavelmente o espectador só lembre dele quando revelar sua verdadeira face, fazendo com que seu plot twist se torne fraco e banal [Spoiler].
Claro que a produção de Anderson conta com aspectos positivos. E finalmente saindo dos negativos — aleluia! — podemos apontar o que o diretor americano acertou.
Um dos pontos altos seja o empoderamento feminino presente no longa, apesar do fato de ser início dos anos 2000 e de que Hollywoody nessa época ainda não dava muito atenção para personagens femininas e em poucos longas se via uma que não fosse donzela em perigo. O aspecto feminino está presente aqui em duas personagens: a soldado Rain interpretada por Michelle Rodriguez, que conta com uma personalidade forte e domina as maiores cenas bad-ass — além de ser muito mais homem que qualquer personagem masculino presente. E Alice, apesar de ser um pouco descartável no início do filme, no desenrolar da história sua importância vai aumentando gradativamente e a personagem de Jovovich finalmente se encaixa no longa. Milla Jovovich também acaba se tornando a maior surpresa do filme: além de interpretar a protagonista da adaptação, por incrível que pareça a atriz consegue dar um dos melhores desempenhos no filme, ultrapassando em talento o resto do elenco, mesmo vindo de uma longa carreira de modelo. A atriz se esforça nas suas expressões e consegue alcançar as emoções que não atingem o público.
Todo o desleixo do diretor Paul Anderson quanto ao longa se deve ao um motivo: a proposta que nada mais é o business, o entretenimento americano; o mercado cinematográfico. A maior proposta do longa visivelmente se revela vender e talvez ele consiga. Como entretenimento não vale pela pouca emoção presente, mas quem sabe nas sequências Anderson possa ter melhorado, assim como Alice ganhou importância gradativamente em Hóspede Maldito — ou será que não?
Nota: 4,9/10