Filme “Donzela” e a caverna de Platão
Filme que vem tendo alta visualização recentemente é Donzela, que mostra um conto de fadas um pouco mais atual, adaptado ao nosso tempo e ao contexto feminista. No filme a Elodie, jovem princesa, é prometida em casamento por seu pai, a um príncipe de outro reino, a fim de salvar o seu povo.
Assim seu pai negocia o casamento e leva a filha e a irmã, para assim casar a mais velha com o príncipe, que aguarda o navio que chega. O conto de fadas parece uma colonização de terras brasileiras, misturado a um eurocentrismo apenas atenuado na bela pele da mãe da princesa, negra, e a filha ruiva. Quando chega o momento do casamento, a princesa percebe ser uma armação párea seu próprio sacrifício, onde é jogada em uma caverna para ser alimento de um dragão.
Muito além de mostrar o gênero e força da personagem protagonista, o filme nos leva a pensar em diversos detalhes, como na caverna de Platão, descrita no livro República, de filosofia, que coloca em um mito pessoas aprisionadas e onde uma consegue sair, o filósofo rei. No caso de Donzela, há essa princesa, verdadeira guerreira, que consegue sobreviver e até mesmo enfrentar o dragão, que vemos na tradição cristã superado por São Miguel, ou mesmo por São Jorge, que assim vence o inimigo. O dragão não é outro que a sombra, o egoísmo, uma parte inferior que negamos, nosso mal e inimigo a que lutamos no íntimo. A Elodie procura a saída e encontra nas outras experiências de princesas, suas reencarnações, o caminho para nessa evolução espiritual, em reminiscência, encontrar a luz, fora da caverna. Ela assim se torna uma iniciada nos mistérios. O conhecimento liberta.
Porém ao descobrir sua irmã jogada em substituição, um sacrifício substitutivo, volta à caverna, e como Sofia, se alia ao Cristo para enfrentar o dracônico inimigo, o Satanás apocalíptico. Nesse passo, ela passa a ter certa ligação com o dragão, tendo assim poder no sombrio animal, que agora serve de poder em seu auxílio, pela vingança contra a família amaldiçoada, do reino que a quis sacrificar. O símbolo tem parece esse segredo, que o dragão faz parte também do santo, numa espécie de ser só, que para a maioria que observa o símbolo, é algo separado ou dualista.
O filme Donzela assim é uma boa opção, apesar de ter momentos de violência, mas que mantêm ainda o conto de fadas com um charme especial. Com a atriz de Stranger Things e Enola Holmes, Millie Bobby Brown, que a fisionomia lembra Natalie Portman jovem, bem como com o diretor espanhol, Juan Carlos Fresnadillo, o filme desafia ao mostrar mulheres em postos reais, de poder, e de um charme que se mantém, envolto no medieval que ainda guarda consigo uma imagem no inconsciente de sonho, que permanece na fé e em muito de nossa sociedade. Donzela é uma boa opção de ação e de surpresas, que coloca na protagonista um pouco mais de emoção, que em outras protagonistas femininas atuais. Saindo da caverna, ela se assemelha ao rei filósofo de Platão, que passa a governar, mas tem um fim melhor que o mito filosófico.
Mariano Soltys, autor do livro Séries e Filosofia