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    Um Lugar Silencioso: Dia Um
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Um Lugar Silencioso: Dia Um

    Sem John Krasinski, spin-off de Um Lugar Silencioso abraça história comovente durante invasão alienígena

    por Diego Souza Carlos

    Viver em uma metrópole é sinônimo de encarar diariamente uma jornada tomada por ruídos e sons que gradativamente corroem a audição. Fazer com que grandes cidades se silenciem seria um feito impressionante se não tivesse, normalmente, relação com catástrofes. Enquanto na realidade a pandemia da COVID-19 minou essa característica urbana, uma invasão alienígena é responsável pelo fim da emissão sonora de conversas, indústrias, carros e metrôs na ficção.

    É através da simples premissa de que qualquer barulho pode ser um convite a uma morte violenta por criaturas extraterrestres que Um Lugar Silencioso se estabeleceu como uma propriedade intelectual original da Paramount Pictures. Muito de sua aclamação surge, no entanto, não apenas de uma base curiosa (o que fazer quando somos obrigados a nos calar?), mas também pelas ótimas atuações e personagens encabeçados primeiramente por John Krasinski, que estrela, produz e dirige, ao lado de Emily Blunt, a forte e comovente estrela da saga.

    Seis anos após deixar uma audiência na ponta da cadeira com momentos aterradores que envolviam um parto, um prego e uma casa no campo, chegou a vez do público descobrir o que houve com a população de Nova York, uma das cidades mais barulhentas do planeta, no dia em que a Terra passou, compulsoriamente, a se silenciar. Esse é o ponto de partida para Um Lugar Silencioso: Dia Um.

    Pelos escombros de Nova York

    Paramount Pictures

    Distante da Nova Inglaterra, no nordeste dos Estados Unidos, onde vivia a família Abbott, Sam (Lupita Nyong'o) passa por um dos piores momentos da sua vida. Em uma visita ao teatro aparentemente inofensiva, ela e milhões de outros nova-iorquinos descobrem que aquele dia ficará marcado para sempre como o início do fim do mundo como conheciam.

    Sob direção de Michael Sarnoski, de Pig - A Vingança, a ideia de Um Lugar Silencioso: Dia Um é justamente colocar a cidade como entidade viva da trama - algo que carece de ambição no corte final, apesar de ter ótimos momentos. Alimentando esse espaço rico no imaginário popular proposto constantemente por Hollywood, o diretor consegue utilizar a metrópole de maneira simples quando pensamos em sua magnitude. Enquanto correm dos novos inimigos, por exemplo, as pessoas são envolvidas por tempestades de poeira e explosões megalomaníacas que ficam no campo corriqueiro deste tipo de blockbuster.

    As sequências nas ruas da cidade não são poucas, mas não oferecem nada que fuja do costumeiro. Isso não quer dizer, no entanto, que a construção destes cenários seja ruim. Alinhando efeitos práticos a efeitos especiais, a paisagem de destruição se torna crível na tela por um trabalho detalhista digno de qualquer outra trama pós-apocalíptica.

    Paramount Pictures

    Quando os protagonistas estão em áreas externas, porém, esses aspectos não se destacam como poderiam. Explorar o conceito de cidade-personagem fica majoritariamente no campo das ideias quando a mesma não se destaca na tela diante de, curiosamente, personagens mais interessantes que a ambientação.

    Na direção de Michael, todavia, existe um ótimo uso de espaços menores e claustrofóbicos. De túneis de metrô a estruturas de metal rodeadas por labaredas, essas tomadas são mais interessantes tanto esteticamente quanto narrativamente. De forma controversa, o diretor consegue fazer a maior cidade do mundo brilhar em representações menores da ambientação urbana.

    O suspense dá lugar ao drama

    Paramount Pictures

    Um Lugar Silencioso: Dia Um poderia cair facilmente na malha fina dos derivados feitos única e exclusivamente por fins comerciais. Ainda que qualquer tipo de sequência se enquadre neste grupo, o filme faz jus à própria existência pelo carisma de suas estrelas. Lupita Nyong’o e Joseph Quinn conseguem elaborar uma química entre personagens que reflete exatamente o que a franquia apresentou em capítulos anteriores: a conexão humana em circunstâncias catastróficas.

    Diferente dos elos fraternais da família Abbott, a novidade aqui está no fato de que são dois desconhecidos se aproximando através da sutileza. Enquanto o relacionamento de ambos cresce gradativamente apesar do silêncio, a existência do gatinho Frodo colabora para essa união, além de ser uma fofura sem fim. Se a franquia já nos disse algo no passado é que o som e o diálogo não são responsáveis pela criação de laços, mas a intenção e, em muitos casos, a necessidade.

    Paramount Pictures

    Para os atores, o desafio da saga é manifestar toda a evolução através de olhares e pequenos gestos. Essa dinâmica se estabelece facilmente entre Sam e Eric, já que são interpretados por artistas comprometidos. De um lado está a veterana da indústria, vencedora do Oscar e musa de Jordan Peele, do outro está uma estrela em ascensão, que conquistou o público e a indústria após agarrar a oportunidade de Stranger Things e já tem até papel garantido na Marvel.

    Sarnoski e Krasinski foram perspicazes ao escolher uma protagonista que está fadada à morte. Sam foi acometida por um câncer, e agora vive em uma casa de recuperação. Com pouco tempo de vida, cuidado de si apenas com medidas paliativas, sua história colide com uma invasão alienígena de maneira abrupta e a faz questionar o que é viver quando se espera, pela violência ou por células cancerígenas, pelo fim.

    Faria Tudo por Pizza

    Paramount Pictures

    Mediante uma vontade cega por encontrar a pizza que costumava dar sabor à sua infância ao lado do pai músico, a personagem tece sua relação com a arte e com o próprio passado quando as cortinas da humanidade começam a se fechar. É curioso que ela entregue sua própria sorte por um desejo como esse, mas as coisas se tornam cada vez mais melancólicas quando a poetisa se agarra ao pouco que lhe resta para, justamente, se sentir viva por uma última vez.

    A busca por essa fagulha é atravessada por Eric, que representa na jornada dela um novo olhar sobre si mesma. Ela se torna amiga, protetora e confidente. Ele a ajuda a encontrar as antigas cores que pintavam sua existência. Aqui, Um Lugar Silencioso: Dia Um passa a deixar de lado, pouco a pouco, o seu aspecto de suspense para abraçar o drama destes personagens. Enquanto existem passagens truncadas na primeira metade do filme, com momentos de agonia e ação inseridos na narrativa para causar adrenalina ao público, estes aspectos posteriores se dedicam a diferentes sombras deste fim da humanidade.

    Nessa direção por uma trama melancólica, Sarnoski comete alguns erros que valem o sacrifício. Em determinados trechos, pequenos barulhos não surtem o efeito esperado, com alienígenas caindo dos céus rumo às vítimas. Além disso, o fato de ter um animal, que involuntariamente pode fazer inúmeros barulhos, próprios ou não, foi utilizado muito pouco no corte final. Para privilegiar o drama, liberdades poéticas dentro da própria mitologia são feitas - e quando se entrega ao sofrimento de Sam, que encara a circunstância com um misto de dor e humor obscuro, esses são apenas detalhes sob um guarda-chuva emocional tocante.

    Ao fim, ainda que não apresente grandes novidades à franquia, o longa se destaca por apresentar uma história agridoce sobre o fim - seja ele pela derrocada da sociedade, seja pelo significado da vida diante da proximidade da morte. Assim como os dois primeiros capítulos dessa história, Um Lugar Silencioso: Dia Um consegue elevar a sua história ao colocar a complexidade humana em meio à carnificina, à ação e ao horror. Bons filmes de terror são conhecidos por utilizar o medo como metáfora sobre as adversidades do real e esse exercício coloca nossos heróis em um mergulho a si mesmos.

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