A divertida despedida de Sandra Bullock
por Nathalia JesusCidade Perdida foi escolhido como o último filme da carreira de Sandra Bullock por tempo indeterminado e a escolha até que fez sentido! Quando olhamos para trás, lembramos o quanto a atriz brilhou em comédias como Miss Simpatia e A Proposta, e também em tramas de ação como Velocidade Máxima e Oito Mulheres e um Segredo. Cidade Perdida, portanto, sintetiza a importância de ambos os gêneros em sua trajetória profissional — e, provavelmente, como a artista gostaria de ser lembrada.
Bem acompanhada por Channing Tatum, Brad Pitt, Daniel Radcliffe, Oscar Nunez e Patti Harrison, Sandra Bullock interpreta Loretta Sage, uma escritora apática que coloca em seus livros tudo aquilo que nunca teria coragem de viver: aventuras em lugares paradisíacos e romances calorosos. As capas de suas obras são ilustradas pelo modelo Alan, que personifica o personagem fictício Dash, uma das criações mais amadas da autora.
Durante turnê de divulgação do seu livro, Loretta é sequestrada por Abigail Fairfax, um bilionário que acredita que a cidade perdida, descrita no livro da autora, existe de verdade. Com capturar a escritora, o criminoso exige que ela o leve até o suposto tesouro localizado na obra fictícia. Alan, então, arma um plano para resgatar Loretta, provando sua capacidade para ser um herói na vida real.
Um admirável protagonista masculino
Channing Tatum é, inegavelmente, um galã padrão de Hollywood. É atlético, alto, bonito e parece uma escolha perfeita para filmes de ação e, também, comédias românticas. Seu personagem, Alan, não é muito diferente deste arquétipo, considerando que ele é o rosto que traz Dash à vida na mente das apaixonadas leitoras. Porém, embora o exterior pareça importante para a capa dos livros, é interessante como a personalidade destoa de tudo o que sua imagem transmite.
Alan não tem nada de genial, mas também não é apenas o fortão que deseja resgatar a donzela. Sim, Channing Tatum abraça de verdade o estereótipo ligado a tais personagens em comédias românticas, trazendo o que conhecemos como “mais do mesmo” no cinema. No entanto, o roteiro joga ao seu favor e traz uma sensibilidade que o ator consegue transmitir sem muitos esforços.
Assim, Alan parece genuinamente gentil e atencioso às necessidades de Loretta, perceptível em momentos de tensão, quando demonstra saber o que fazer quando a escritora está tensa, irritada, faminta ou desconfortável. É um protagonista masculino que mostra paixão em atitudes, sem nunca tentar avançar estágios e evidenciar exageradamente os seus interesses românticos. É um personagem que se importa, tem uma razão de existir e, em alguns momentos, você se questiona se ele não foi escrito por uma mulher — o que, na vida real, não foi 100% o caso. De cinco roteiristas, apenas uma era mulher e esta era Dana Fox, que também escreveu Cruella, um dos vencedores do Oscar em 2022.
Apesar deste mínimo diferencial, Cidade Perdida é um filme caricato, com personagens e caminhos óbvios e, neste contexto, conseguimos prever cada acontecimento. Nitidamente, notamos que um romance entre Loretta e Alan vai se desenrolar. Só de ler a sinopse já fica evidente. Todavia, o mais interessante nisso tudo é acompanhar a progressão deste relacionamento, uma vez que já sabemos tudo o que se sucederá no último ato do filme.
Sandra Bullock está em sua zona de conforto
Com uma história tão óbvia no longa-metragem, a química de Sandra Bullock e Channing Tatum em tela é o que apimenta a experiência de quem está assistindo. É divertido assisti-los em situações ridículas, cenas de ação e diálogos bem-humorados que se costuram em todo o filme, de maneira nada excessiva. Às vezes, a piada se repete para lembrar ao espectador que a mesma já esteve ali e sobrevive por um bom tempo, sem ficar cansativa.
Em Cidade Perdida, Sandra Bullock mostra sua soberania no gênero com uma personagem que parece um pouco de tudo o que a atriz já interpretou em sua carreira. Sua performance como uma mulher poderosa e inteligente é muito crível e contrasta bem com seu co-protagonista que é, basicamente, um herói estúpido — e muito bem-intencionado, conforme mencionado nos parágrafos acima.
A atriz parece confortável ao dar vida a Loretta e quebrar as rochas que a tornaram amarga e indiferente a todos ao seu redor. Assim, o que se sucede é uma personagem que ri na cara do perigo e vive histórias, ao invés de apenas escrevê-las. É fácil se conectar com suas nuances e acompanhar suas mudanças ao longo da trama porque Sandra Bullock sabe o que faz — e faz muito bem. Loretta parece ter sido feita para ela.
Clímax sem emoção
Cidade Perdida não tem nenhuma responsabilidade em ser mais que um alívio cômico. Então, em caso de decepção, o erro parece ser de quem chega repleto de expectativas. A história entrega exatamente o que propõe: um roteiro óbvio e sem nenhuma sacada inteligente, sustentado por diálogos divertidos e por um elenco com grandes estrelas do cinema.
Isto posto, é impossível não mencionar o quanto Daniel Radcliffe brilhou. O ator de Harry Potter deu vida ao grande vilão Abigail Fairfax e entregou um antagonista insano que, apesar dos propósitos rasos, arrepia pela intensidade em que acredita nos seus objetivos. Porém, com a ausência de uma história de fundo bem estruturada, Radcliffe entregou a performance certa para o filme errado.
Seu assustador personagem podia ter sido muito mais interessante. Afinal, é um bilionário lunático que confia fielmente na existência de um tesouro escondido em um mundo fictício. Essa obsessão pelo livro de Loretta foi minimamente explorada e tudo o que restou foi um stalker agressivo demais para uma trama tão leve e pouco significativa. Ao contrário de Alan, sua razão de existir não é muito perceptível nem para ele mesmo.
Com o grande esvaziamento de sua história, os momentos de tensão no filme, provocados pelo antagonista, não fizeram nem cócegas. Até mesmo as sequências de ação eram mais intrigantes pelos belíssimos cenários florestais em que eram ambientadas do que, de fato, pela presença do vilão Fairfax. As situações vividas pelos protagonistas, que estavam constantemente em fuga, eram muito mais focadas em seus caminhos individuais do que na ameaça iminente que deveria guiar todos os caminhos de Loretta e Alan no longa-metragem.
Inconsistente, Cidade Perdida não é nenhuma obra-prima — não chega minimamente perto e nem pretende — mas te faz rir, é muito divertido. Para além do brilhante elenco principal, o filme tem participações como as de Brad Pitt, Da’Vine Joy Randolph e Oscar Nunez, que potencializam o caráter cômico e tornam a experiência ainda mais leve e confortável. É um filme para quem entende que, apesar de todas as possibilidades, cinema é entretenimento.