A morte nos deixa diante do vazio e do silêncio, porém, principalmente, diante da incerteza dos caminhos que virão a seguir. “Pequena Mamãe”, filme dirigido e escrito por Céline Sciamma), se passa nos momentos que se seguem à morte da avó de Nelly (Joséphine Sanz), a mãe da sua mãe, Marion.
Neste caso, mãe e filha estão lidando com a perda por meio da organização das coisas que a avó deixou para trás, seja na casa de repouso onde vivia, seja na residência que, antes, ela ocupava. Se Nelly encara a morte com a visão infantil, com o arrependimento de não ter dito “tchau” pela última vez à avó; a mãe prefere fugir, literalmente, do caos que a perda deixa.
E é justamente ao se ver no local onde sua mãe passou a infância, nas paisagens onde ela brincava e se divertia, que Nelly passará pela experiência que marca a narrativa enxuta de “Pequena Mamãe”: o encontro com a Marion criança, quando a dor da morte nem sonhava em atingi-las.
É ao entrar em contato com o eu criança de sua mãe que Nelly passa a ter o entendimento do que é superar as dificuldades que encaramos na nossa vida - dentre uma delas, a perda das pessoas queridas. “Pequena Mamãe” não é um filme sobre o luto. Pelo contrário, é um filme sobre o amor, o carinho, a sinceridade, o abraço e o cuidado como receitas poderosas para a cura das piores dores. Até mesmo aquelas que são as mais inimagináveis de enfrentar.
A singeleza da história permite que Sciamma se dedique aos pequenos detalhes de cada cena. Mesmo numa composição visual menos elaborada, e numa narrativa essencialmente menos ambiciosa do que de seu filme anterior, a força do olhar, a potência que se extrai de um silêncio intermitente nos diálogos e suas nuances, tudo o que Sciamma sabe fazer de melhor está presente aqui.
A direção das pequenas atrizes (irmãs gêmeas) é soberba num nível que apenas grandes cineastas como De Sica foram capazes de atingir. A câmera do filme é mantida na altura das crianças, mas Sciamma não busca um impressionismo evidente a partir disso. Quando ocorre a interação com os personagens adultos, o plano se abre, tudo em cena fica muito evidente, mas não perde a força da centralização nas meninas.
Um filme que extrai sua sensibilidade primordialmente através dessas relações entre as duas personagens, muito mais pelo que é visto do que pelo verbalizado. A diretora desenvolve mudanças graduais em cada menina (maquiagem e cabelo) de modo que, se inicialmente fica claro a identificação de cada uma, isso é progressivamente reduzido por uma uniformidade que amplia essa relação de mútuos e atemporais sentimentos.
Muita coisa aqui me remeteu diretamente à Meu Amigo Totoro, especialmente em como a diretora adota essa atitude de ingenuidade perante o fantástico, inclusive nos personagens adultos. O cinema de fantasia não precisa ser limitado à percepção infantil, nem mesmo transfigurado à uma interpretação puramente psicológica. Ele é, em Petite Maman, razão de ser, premissa que se expande a outros aspectos, mas nunca renegada em sua essência.
Caso você continue navegando no AdoroCinema, você aceita o uso de cookies. Este site usa cookies para assegurar a performance de nossos serviços.
Leia nossa política de privacidade