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    Aos Pedaços
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Aos Pedaços

    Drama inflexível

    por Barbara Demerov

    Aos Pedaços, do diretor Ruy Guerra, possui como maior atrativo o fato de sua estrutura e estilo serem extremamente similares à de uma peça de teatro. É curioso ver uma forma de arte - que muitas vezes não é registrada na câmera - enquanto obra cinematográfica, filmada e adaptada de modo que uma acaba por complementar a outra. E é justamente este o ponto principal que mantém a atenção presente aos cenários, falas e composições do filme, orquestrados com uma ótima técnica e aproveitamento de luz e sombra (algo que diz muito sobre o personagem principal).

    Por isso, é ainda mais curioso refletir sobre o que falta para Aos Pedaços entregar um resultado mais prazeroso dentro do formato no qual foi desenvolvido. Talvez seja por conta do texto, que, apesar de traçar uma longa e complexa viagem na mente de um personagem solitário e problemático, não é completamente sustentado pelo o que está ao seu redor. As imagens falam, mas não é como se existisse uma harmonia entre o que é dito em palavras ou no silêncio e o que Guerra registra com seu elenco reduzido.

    A paranoia do protagonista Eurico (Emilio de Melo) é a única coisa que o espectador pode ter certeza de que é real, fato este que abre um grande leque de possibilidades, devaneios e teorias acerca de sua vida e de seus dois relacionamentos que mantém com mulheres do mesmo nome. Ana e Anna, separadas apenas por um "n" a mais, ganham bastante espaço para monólogos, algo que soa como uma extensão do próprio Eurico. A questão é que o protagonista não é nem de longe uma pessoa agradável, que traz empatia.

    Ao tratar as duas personagens como "bruxas", responsáveis pela infelicidade em sua vida, Eurico não só se mostra um homem egocêntrico como também alguém que, de tão preso à própria mente, repete seus discursos num círculo, repetidamente. E tal importante característica do personagem reflete diretamente na narrativa como um todo, que não evolui ou elucida as questões mais chamativas. Pelo contrário, a história se mantém no mesmo ritmo o tempo todo - algo que pode deliberadamente trazer uma sensação de repetição comportamental de Eurico, mas que no fim das contas apenas faz com que ela se torne exaustiva.

    O formato teatral, que de início invade a tela e é um dos elementos que mais chamam a atenção pela inventividade do diretor, vai enfraquecendo a mensagem aos poucos. É certo que, para promover uma viagem tão profunda como a de Aos Pedaços, era necessário se aproveitar de um estilo tão pessoal quanto intenso. Mas, se há intensidade de sobra no texto, a formalidade de tudo o que orbita ao redor (especialmente no uso de preto e branco) traz uma rigidez que dificulta a imersão e uma maior mobilidade dos próprios personagens, que encontram-se inflexíveis diante de suas dores e pensamentos.

    Filme visto no 48º Festival de Gramado, em setembro de 2020.

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