No filme Fale com Ela de Pedro Almodóvar, não existem explosões, tiroteios ou perseguições alucinadas nas ruas de uma grande cidade. Efeito especial de última geração também não tem. Não é uma comédia ou um filme de ação. Terror também não é. Sangue somente o suficiente para dramatizar uma pequena cena. Não vale a pena ver este filme se tudo que foi dito até aqui é o que você procura num filme para assistir com a família comendo pipoca e tomando aquele copo gigante de Coca-Cola e depois dar uma volta para olhar as vitrines do shopping Center. Mas se você já está cansado de assistir sempre os mesmos filmes de bandidos e mocinhos ou aqueles arrassa-quarteirões-hollywoodianos-de-milhões-de-dólares, então corra a vídeo locadora mais próxima (de preferência a minha, claro) e alugue este filme. Prepare-se para a emoção e as lágrimas que certamente virão. E a trilha sonora? Bem, isto é uma agradável surpresa e prepare-se para a mais pura emoção. Deixe rolar os créditos até o final e depois durma se for capaz!
O filme inicia com uma cortina vermelha que vai subindo lentamente. O que vemos, como espectadores de um teatro, são atores a representar uma peça. Duas mulheres que “dançam” ou estão perdidas soltas no mundo – mudas e de olhos fechados – (como sonâmbulas) e um homem também mudo e solitário que afasta cadeiras para que elas não se machuquem. Aqui Almodóvar já diz ao que veio. De uma singela representação de mulheres perdidas e carentes de cuidados e um homem (este também perdido e carente) a protegê-las dos perigos. Seu coração já dispara prevendo o que virá e a dúvida do que nos será narrado no decorrer da história. Impossível não se emocionar e a primeira lágrima vem. O personagem, que da platéia assiste ao espetáculo, também deixa escorrer a sua.
Os dois homens que assistem a este espetáculo voltam a se encontrar novamente em outra situação. O primeiro é o enfermeiro Benigno (aqui o nome condiciona destino como veremos mais adiante) que cuida, de forma zelosa e carinhosa , uma mulher chamada Alicia em coma num hospital. O outro é o Jornalista e escritor Marco que também está com sua amante Lydia em coma no mesmo hospital. Quatro pessoas. Quatro destinos que se entrelaçam e se cruzam de forma irremediável e que vai fazer toda a diferença na vida destas pessoas. A primeira mulher é uma bailarina que sofreu um acidente. A amante de marco, uma toureira profissional que, abandonada pelo marido, deixa-se vencer pelo bravio touro num gravíssimo acidente. Marco (Dario Grandinetti), diferentemente de Benigno (Javier Câmera), não consegue “tocar” ou “conversar” com sua amada ficando no hospital mais como companhia de si mesmo e ignorando esta mulher que acredita nada saber ou sentir. Assim como a maioria dos homens que não compreendem as mulheres: Almodóvar dá aqui uma aula e responde a velha indagação Freudiana de não compreender as mulheres. Na boca de Benigno ele responde: “a mulher precisa ser tocada, mimada, acariciada … ouvir seus segredos….Fale com ela”.
Uma história paralela ocorre: Um filme mudo em preto e branco onde um homem minúsculo percorre o corpo nu de uma mulher. Escalando seus seios…Caminhando por sua barriga e, ao descer nos pelos pubianos encontra-se frente a frente com uma enorme vagina que o engole por completo. Qual a intenção de Almodóvar nesta cena antropofágica? A mulher que se alimenta do conhecimento masculino para melhor dominá-lo e escravizá-lo aos seus cuidados e afetos ou quem sabe seja a simbologia representativa do homem que procura entender a fundo (bem no fundo) a alma feminina para assim ter um grande poder de dominação sobre as mulheres. Almodóvar não responde. Mas fica evidente que o filme, diferente dos seus outros trabalhos, não é feminista, mas antes de tudo, um filme de homens. Seus conflitos, seus problemas, suas aflições e carências. E a falta que faz o diálogo entre homens e mulheres. Entre seres que deveriam viver em harmonia. Só o amor salvará a ambos. Homens e mulheres. Mulheres e Homens a ordem dos fatores não importa. Não é uma questão de poder, mas antes de tudo de amor, compreensão, diálogo e aceitação das limitações de cada um. Fale com ela, diz Pedro Almodóvar. Fale com ele me atreveria complementar.
Benigno toma uma atitude drástica e consegue tirar sua amada Alicia do coma (benigno – ou o mal que às vezes nos faz repensar e a ter outra atitude perante a vida). Mas apesar de ter corrido todos os riscos não toma conhecimento do seu sucesso (a vida é dura e injusta às vezes!). Marco – não correndo risco algum, apático e indiferente, perde sua amada Lydia (Rosário Flores). Amar é correr todos os riscos mostra-nos Almodóvar.
No teatro tudo recomeça novamente. Uma nova história vai ser contada. No palco bailarinos surgem como uma onda a predizer que a vida segue seu rumo. Na Platéia Marco e Alicia (Leonor Watling) trocam olhares significativos. O destino, implacável, tecerá suas teias, tramas e armadilhas e outra história deverá ser contada. Mais Almodóvar não diz. Mas tudo segue seu curso e na vida nada é fácil. Amar não é fácil. Compreender e aceitar o outro não é fácil. É preciso amar. Só o amor é a única salvação e o caminho a ser trilhado por homens e mulheres. Respeitando e aceitando as suas diferenças.
Ouvir Caetano Veloso cantando de forma brilhante Cucurrucucu Paloma e uma palhinha de Elis Regina interpretando Por Toda Minha Vida foi algo de emocionar e não chorar foi impossível. O personagem Marco diz no filme: “este Caetano é de arrepiar”. Eu diria: Caetano, Elis e Almodóvar juntos são de arrepiar muito mais!
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