Tributo às vítimas de guerra
por Bruno BotelhoMuitos dramas de guerra costumam explorar em suas narrativas os horrores que esses conflitos violentos causam para as pessoas envolvidas neles – maior parte inocentes – e suas marcas eternas. Quo Vadis, Aida?, produção da Bósnia e Herzegovina que foi indicada ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, propõe um retrato poderoso e triste sobre um desses momentos mais horrorosos na história da humanidade. O longa conta uma história ficcional ambientada no Massacre de Srebrenica, em 1995, quando mais de 8 mil bósnios muçulmanos foram assassinados por tropas sérvias.
Aida (Jasna Djuricic) é uma tradutora das Nações Unidas (ONU) para a pequena cidade de Srebrenica. Quando o exército sérvio toma conta da cidade, sua família está entre os milhares de cidadãos que estão
procurando abrigo. Com o seu papel de fonte interna nas negociações, Aida tem acesso a informações cruciais que ela precisa interpretar. O que está no horizonte para a família dela e pessoas: resgate ou morte? Qual atitude ela deve tomar?
Quo Vadis, Aida? é um olhar doloroso e devastador sobre as vítimas na guerra
Com roteiro e direção de Jasmila Žbanić (conhecida por Em Segredo), Quo Vadis, Aida? se destaca ao centrar sua história na personagem ficcional Aida, que precisa representar o papel de tradutora das Nações Unidas ao mesmo tempo que se preocupa com a segurança de seu marido e seus dois filhos em meio à uma Guerra Civil. Assim, o filme consegue fazer um retrato doloroso sobre pessoas sofrendo horrores incompreensíveis com o fim iminente proposto por guerras.
O conflito doloroso dessa mulher proporciona um olhar marcante sobre as vítimas humanas. Jasna Djuricic consegue trazer uma atuação emocionante e humana, que se torna cada vez mais poderosa conforme ela percebe – assim como as demais pessoas – que essa situação está fora de controle com um final marcado pela tragédia. O progressivo desespero dela é assustador.
Sua posição burocrática privilegiada dentro da ONU a coloca com acesso às informações sobre negociações e acesso aos comandantes liderados pelo coronel holandês Karremans (Johan Heldenbergh) e Franken (Raymond Thiry). Os personagens são retratados de um maneira complexa, sem desculpá-los pela responsabilidade com a vida de milhares de pessoas.
Ao mesmo tempo, Aida sofre e precisa de lidar com seu papel como esposa e mãe, o que a coloca com envolvimento profissional e individual dentro do conflito. Isso foi uma sacada inteligente no roteiro de Žbanić para contextualizar a trama por todas suas vertentes e deixar a narrativa mais íntima – e, consequentemente, mais grave –, com um tom quase documental.
Um retrato sobre a impunidade
"Alguém no mundo vai testemunhar a tragédia que está acontecendo em Srebrenica? Os crimes sem precedentes..."
O filme começa com uma negociação que mostra a gravidade da situação, que coloca em risco a vida de milhares de bósnios muçulmanos. A partir disso, Quo Vadis, Aida? não apresenta respiro em sua narrativa, assim como na guerra não há calmaria. É um jornada progressiva pelo caos e falência moral das instituições – especialmente uma crítica ao fracasso da ONU em intervir e manter o exército sérvio controlado.
Nisso, entre em ação o General Ratko Mladić (Boris Isaković), um militar sérvio que faz acordo com as Nações Unidas para manter os civis salvos e, assim, coloca suas tropas para separar essas pessoas por gênero e conduzi-los para os ônibus que os levariam em segurança para fora da zona de risco. A falha institucional dos órgãos com as pessoas é tão grande que nenhuma promessa de "salvação" é convincente dentro desse cenário desolador. O destino das pessoas sempre esteve selado nas mãos governamentais cheias de sangue.
O longa se destaca ao representar fortemente a sensação e indignação real de algo terrível acontecendo aos olhos de todo um mundo, que não faz nada contra esses crimes de guerra terríveis. Quo Vadis, Aida? é um tributo verdadeiro e emocionante para as vítimas do Massacre de Srebrenica, além de ser uma denúncia sobre as instituições que permitem ou financiam o sofrimento de inocentes deixados sem assistência em guerras sem propósito. É um trabalho devastador e emocionante, mas necessário!