Mães Paralelas (Madres Paralelas)
O longa é escrito e dirigido pelo grande cineasta espanhol, Pedro Almodóvar, que conta na produção com Agustín Almodóvar, seu irmão mais novo. Almodóvar sempre foi reconhecido como um dos mais cultuado cineastas autorais dos cinemas, por empregar seu estilo cinematográfico único, e sempre nos apresentar as suas obras com sagacidade, inteligência, por sempre nos imergir em suas histórias fortes, pesadas, dramáticas, por sempre nos trazer seus roteiros bem elaborados e nos impor a sua forma novelística de nos fazer mergulhar em suas tramas.
Em "Madres Paralelas" Almodóvar nos traz um roteiro extremamente inteligente, sagaz, intrigante, curioso, enigmático, que nos prende e nos instiga a querer desvendar tudo que está por trás de cada história, dos personagem, queremos desvendar tudo que está nas entrelinhas do roteiro. Exatamente nesse ponto que eu considero o roteiro de Almodóvar bem astuto, pois ele é realizado de uma forma que nos intriga, que nos deixa curioso o tempo todo. Almodóvar vai costurando as linhas do seu roteiro aos poucos, sem nos entregar nada instantaneamente (ou inicialmente), vamos criando inúmeras possibilidades e vamos sendo confrontados com cada acontecimento. Pois o longa possui dois temas distintos, que inicialmente podem parecer um roteiro perdido, uma narrativa confusa, mas se realmente pararmos para analisar friamente, eles se ligam extraordinariamente ao final.
"Madres Paralelas" pode funcionar como uma novela, um conto, ou algo parecido, pois Almodóvar decide nos confrontar com uma história excêntrica sobre às dores da maternidade, o resgate do passado, a crise existencial, o drama e o peso de ser mãe solteira, tanto adolescente quanto na meia-idade. Ao mesmo tempo que ele propõe e desenvolve um tema que está diretamente inserido em um contexto político histórico, a guerra civil espanhola.
Penélope Cruz é a alma do filme, realmente compreendo a sua indicação ao Oscar.
Penélope dá vida à Janis Martinez, uma mulher na meia-idade que engravida (por acidente) e tem que conviver com o peso de ser uma mãe sozinha e solteira, mesmo que ela tenha condições financeiras para isso. Janis mostra uma personalidade forte e destemida, ao mesmo tempo ela se sente vulnerável, sensível, perdida, tentando se conectar, ou reconectar, à sua vida com o mundo ao seu redor, por todos os acontecimentos que ela está sendo submetida naquele momento.
Ótima atuação da Penélope Cruz....podíamos sentir suas dores, seus traumas, suas nuances, seus conflitos, tudo imposto unicamente pelo seu olhar, com uma carga mais dramática muito bem dosada - sim, temos mais um bela atuação da Penélope Cruz!
A atriz espanhola Milena Smit faz um contraponto bem acertado com a Penélope Cruz. Milena traz uma personagem (Ana) que está dentro do mesmo contexto de ser mãe, ainda mais uma mãe adolescente, solteira, sozinha, sem o apoio dos pais na criação da sua filha. Milena Smit foi uma grata surpresa, gostei da sua atuação, deu o toque certo dentro da história do Almodóvar. Israel Elejalde está bem como Arturo, o problemático caso de Janis, e até então, pai de sua filha. Completando com Aitana Sánchez-Gijón, que fez Teresa, a mãe de Ana - mais uma boa atuação, totalmente dentro do que a sua personagem exigia para a história.
Um dos pontos que mais me chama a atenção nas obras do Almodóvar, está exatamente na sua forma intimista de executar as suas filmagens. Almodóvar dá uma atenção e um carinho ao movimento literário que prioriza a expressão dos sentimentos mais íntimos dos seus personagens em cenas - aproximando cada vez mais a câmera, em um ângulo que dava o exato foco no que estava sendo proposto naquele ambiente. A trilha sonora de Alberto Iglesias (compositor daquela maravilhosa trilha de "O Leitor", com a Kate Winslet) acompanhava fielmente cada passo dos personagens, pois a mesma se destacava em um ritmo mais intenso nos momentos de tensão e nos momentos mais dramáticos - uma trilha sonora muito bem notada e sentida ao longo da trama. A fotografia de José Luis Alcaine também merece um destaque, realmente estava muito bem executada.
Quando eu afirmo que Almodóvar trouxe um roteiro extremamente inteligente.....vamos aos fatos:
Um ponto que eu achei bastante curioso e muito intrigante no roteiro do Almodóvar, foi exatamente os dois temas que ele estava abordando em seu longa - por um lado a maternidade e suas dores, e por outro às questões políticas.
É fato que a personagem da Penélope Cruz (Janis) buscava incansavelmente descobrir sobre suas origens e de alguma forma tentar honrar a memória do seu bisavô. Exatamente dentro desse contexto que ela busca ajuda com o Arturo, que era arqueólogo, para escavar o local que poderia está os ossos de seu bisavô e dos antepassados que foram assassinados durante a ditadura espanhola.
Mas e como ligar esses dois temas dentro da história?
Bem, eu acredito que a Janis era uma pessoa que sempre buscava a verdade do seu passado, isso de fato era muito importante para ela (é ai que entra o tema político em querer saber a verdade escavando os ossos). Por isso, quando Janis descobre que não era a mãe da pequena Cecília, e que a filha morta da Ana de fato não era dela, Janis entra em um completo dilema pessoal em querer contar a verdade para Ana, pois ela não aguentava a ideia de ocultar a verdade sobre os fatos, exatamente o que fizeram quando ocultaram os fatos verdadeiros sobre seu bisavô na guerra.
Janis poderia muito bem mentir sobre a Cecília para Ana, de fato ela poderia ficar com sua "filha" para sempre, mas como ela iria conseguir conviver com essa incoerência, uma vez que ela própria sempre buscava a coerência (a verdade) sobre o assassinato do seu bisavô na guerra.
Logo após a cena em que o Arturo conta para Janis que se separou da sua esposa por ter contado para ela sobre a sua infidelidade, é exatamente o momento em que Janis fica ainda mais conturbada em saber como é difícil suportar uma mentira, tanto a mentira sobre a filha verdadeira da Ana, quanto a mentira que lhe contaram a vida toda sobre seu bisavô e os antepassados da guerra.
É......se esta reflexão dos dois temas se unindo no roteiro do Almodóvar não for considerado inteligente e sagaz....eu não sei mais o que é!
Na temporada de premiações, "Madres Paralelas" esteve indicado no Globo de Ouro nas categorias Trilha Sonora e Filme Estrangeiro. O BAFTA indicou o longa a Filme Estrangeiro. No Oscar o longa tem duas indicações, Trilha Sonora e Atriz, sendo esnobado em Filme Estrangeiro (como também foi no Critics). Sobre Melhor Atriz, acho o trabalho da Penélope Cruz ótimo e de fato ela mereceu uma indicação, mas pra mim ela corre por fora, vejo a Nicole, a Jessica e a Kristen um passo à frente, principalmente a Kristen.
Pedro Almodóvar nos entrega uma bela obra intimista, "Madres Paralelas" é um ótimo drama, bastante refletivo, interpretativo, curioso e intrigante. Mais um belo filme do cinema espanhol. [04/03/2022]