Spencer é brilhante precisamente porque Larraín alcança aqui o que não havia conseguido em Jackie: a concretização formal de um filme intimista ao deixar sua câmera muito próxima de Diana, porém sem detrimentos à articulação de um ambiente muito necessário às ressonâncias sentimentais de sua protagonista. A linha narrativa está submissa ao enquadramento de Diana. Há continuidade quando a personagem se movimenta pelos espaços internos, mas o diretor não se restringe no corte para outra ação posterior, por vezes sem definição clara de uma passagem de tempo, quando a cena já entregou aquilo que se desejava.
Afinal, não é realmente um filme sobre a relação entre Diana e a família real, e é por isso que não temos grandes cenas com planos compostos que evidenciem um panorama distanciado acerca dos ambientes. A decupagem mantém na maioria do tempo sua centralidade na protagonista. Quando foge disso, assume planos fixos que apenas ressaltam um caráter de tradições performáticas daquelas pessoas, sem deixar de pontuar a presença de Diana por seu deslocamento, seja em termos de posição no quadro (um plano específico remete muito à composição de Wyler em Pérfida) ou até mesmo pelo contraste de suas roupas.
Os membros da família real, em especial a rainha, são como figuras de cera nesse espaço tomado pelas ressonâncias psicológicas da protagonista. Larraín até adia a frontalidade nesse sentido. De início temos apenas a sugestão de personagens conhecidos por conta de suas silhuetas e pomposidades nos seus entornos, como que preparando o espectador para essas faces da mesma maneira que Diana se prepara, decorativa e psicologicamente, para o evento da vez. E quando isso de fato se concretiza, na melhor cena do filme, a protagonista rompe seu colar de pérolas no meio do jantar, num desenvolvimento magistral da opressão desse espaço de tradições eternas, tomado por pessoas que cumprem claros papéis.
Ao negar uma dinâmica específica de relações entre seus personagens-chave, ao rejeitar essa premissa de embates frontais, Spencer revela-se como um filme sobre a sobrevivência de Diana em espaços imutáveis. As aparições de Ana Bolena atestam muito bem como o conflito da protagonista parte de uma internalização para algo que transcende o seu corpo presente. Como Diana diz numa conversa com seus filhos, não há futuro aqui, o passado e o presente são a mesma coisa. Quando se desloca pelos espaços, muito mais do que ir ativamente de um lugar ao outro, a protagonista parece arrastada por uma força que carrega todo o peso do passado, contaminando o presente e eliminando qualquer senso de autonomia quanto ao futuro.
Se fazer parte da família real significa construir uma máscara que simbolize um papel dentro da tradição da coroa, a desintegração dessa persona por parte de Diana parece abrir espaço para, na verdade, outro papel específico: o da figura trágica. Kristen Stewart está brilhante aqui na evocação de sutilezas no olhar da personagem, como alguém atormentada pelas vozes que chamam através das portas, pelos quadros nas paredes e por todas as liturgias, ao mesmo tempo em que nunca deixa de lado algo de blasé, como uma herança de sua máscara antes da desintegração. Seus trejeitos são de um animal encurralado que, na esperança de sobrevivência, busca uma certa inércia sentimental ao invés de uma agressividade instintiva. A beleza da atuação está justamente ao evidenciar essa busca, sem pesar a mão na apatia ou na neurose.
Acaba sendo curioso como o filme consegue esse intimismo adotando aspectos de obra documental de bastidores. Fora do quadro, vozes insistentes chamam Diana para algum compromisso, como uma estrela musical entorpecida por seus arredores. A decupagem do filme torna Larraín um paparazzi que, mesmo implacável com sua câmera, consegue articular uma autoconsciência acerca do que tudo isso possui de opressivo à Diana. É um equilíbrio muito preciso de exploração da imagem com sensibilidade psicológica a respeito de seus significados na narrativa. Quando o filme traz, finalmente, a avalanche de fotógrafos, acaba sendo apenas uma concretização explícita do que está sempre presente no seu texto. Não há comoção articulada, pois desde o início Larraín já filma Diana como um paparazzi interessado por essa figura estranha aos ambientes em que frequenta.
A grande síntese dessa dualidade entre a visão fetichista da figura de Diana e sua crise de personalidade, a harmonia entre decorativo e psicológico, se dá quando o filme adota de modo mais claro uma quebra do realismo. A montagem conecta a protagonista em diferentes situações, com diferentes vestidos, num flerte com o cinema de fluxo através dessa sequência de ações sem causalidade clara, mas em torno de uma ideia: Diana é também símbolo de uma tradição, um avatar para o desfile de vestidos e liturgias e, ao mesmo tempo, elemento sutilmente transgressor destes espaços engessados. Não há esperança para ela nesse universo, e seu reconhecimento disso ao final do filme é, ao mesmo tempo, transgressão de um papel pré-definido e mudança de rota. Diana continua sendo elemento atuante nesse jogo de aparências da coroa, contudo, seu papel agora é definitivamente o mais fatalista possível.