Poesia cotidiana
por Barbara DemerovVencer seus demônios internos por meio de uma batalha de rap. Este é o tratamento indicado pela psicóloga, uma das múltiplas personagens que compõem Summertime, um “filme-coral” autêntico, no qual diversas figuras surgem rapidamente na tela ao longo de uma hora e meia para compor não exatamente uma trama com início, meio e fim, mas sim montar um mosaico da juventude de uma Los Angeles atual.
Assim como nos musicais tradicionais atores e atrizes interrompem suas ações cotidianas para entoar canções, aqui o elenco faz as emoções fluírem em versos de poesia -- seja numa discussão de relacionamento, numa resposta à homofobia dentro de um ônibus ou num momento de desabafo no local de trabalho. Cada um dos personagens tem seus próprios demônios, e nenhum deles está disposto a permanecer calado um minuto a mais.
O diretor mexicano Carlos López Estrada (do ótimo Ponto Cego) conduz este passeio tirando proveito das cores da cidade num dia quente de verão: o céu azul, o verde dos parques, os grafites nos muros, as luzes em neon das lojas e restaurantes. Tudo é elemento visual num cenário naturalista, já que o realizador por um lado se aproxima da “vida como ela é”, enquanto por outro não esconde a ambição de poder ser mais do que isso.
Exemplo desse toque de realismo fantástico é a relação de Summertime com o tempo. Embora a ação seja apresentada como toda centrada no mesmo dia, há espaço para um arco divertídissimo de uma dupla de rappers que vai do anonimato à fama enquanto cruza com os outros personagens. É como se as tramas corressem em universos paralelos que se chocam constantemente, e também a lembrança de que o sucesso pode ser algo efêmero, que chega e passa num piscar de olhos.
Há de se destacar também como o filme trata a questão da diversidade racial. Há atores negros, latinos e asiáticos em posição de destaque, sem que isso soe forçado. À medida em que o olhar do cineasta está focado nas ruas, é apenas uma consequência natural.
É possível que nem todo mundo se sinta atraído pela proposta do filme. Afinal, se parte do público não tem paciência para musicais, que dirá para este grande sarau de poesia em forma de cinema que é Summertime. A dica é não querer encontrar uma história no formato tradicional, mas sim apenas curtir as sensações provocadas por cada momento em que o elenco -- alguns deles interpretando a si mesmos -- recita palavras que, perceptivelmente, vêm do fundo de seu coração.