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    Meu Sangue Ferve Por Você
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Meu Sangue Ferve Por Você

    Com fantasia e história real, cinebiografia de Sidney Magal consegue evocar energia do artista?

    por Diego Souza Carlos

    Existem caminhos clássicos quando falamos de cinebiografias. Em boa parte dos filmes que abraçam o gênero, há um desejo em arriscar: a tela do cinema se torna um apanhado de eventos que culminam em um momento catártico na vida do protagonista, sacrificando histórias que podem não funcionar em frente às câmeras e privilegiando uma única visão sobre a complexidade de um ser humano.

    Embora seja o modelo mais popular, é também o mais desafiador - e por vezes fadado a uma representação muito pequena de quem foi ou é a personalidade retratada. Sabendo das possíveis limitações em contar a história de um fenômeno em pouco menos de duas horas, o diretor de Meu Sangue Ferve por Você segue por outra direção.

    Conduzido por Paulo Machline, o longa aborda um momento especial na vida de Sidney Magal, interpretado por Filipe Bragança. Por representar a história de como o cantor teve um encontro singular com Magali West - e a pediu em casamento “de cara” -, a trama flerta com o real e o surreal em uma versão colorida de Salvador, Bahia, de 1979.

    Luz, câmera e canção!

    Manequim Filmes

    Uma vez que o diretor decidiu abandonar os moldes regulares que constroem muitas cinebiografias, existe uma liberdade criativa destinada a purpurinar eventos, engrandecer diálogos e brincar com elementos da sétima arte que flertam com a fantasia. Desde os primeiros minutos de Meu Sangue Ferve por Você, o filme se apresenta como uma comédia romântica musical - e há muitos pontos que colaboram para que, na maioria dos momentos, essa atmosfera seja preservada.

    Sob influência de Bollywood, dos musicais norte-americanos e da rica teledramaturgia brasileira, o filme assume esse papel "brega" ao unir uma história novelesca com atos musicais que repercutem não apenas os sucessos de Magal, mas também exploram a musicalidade brasileira que sempre foi influenciada por ele.

    Vez ou outra, por escolha da própria direção, a divisão entre os números e a narrativa não se conectam. Durante um momentinho, a história fica em stand-by para ver um corpo de dançarinos e suas estrelas em releituras tanto de Magal quanto de sucessos contemporâneos. Isso não quer dizer que as canções não ajudam a dar continuidade à trama, tanto pelas letras quanto pela expressão dos atores, mas esta separação, principalmente em termos de transição, pode prejudicar a imersão do público.

    Em determinado ponto, o telespectador já consegue anteceder estes momentos, algo que passará despercebido por quem mergulhar no aspecto musical sem restrições. Afinal, é uma festa que celebra não apenas o amor entre Magal e Magali, mas também uma exaltação do robusto e poderoso repertório do artista.

    Magal, Magali e "magalices"

    Manequim Filmes

    Quando a produção do filme foi iniciada, Filipe Bragança e Paulo Machline já sabiam que a criação de Sidney Magal nos cinemas não seria uma réplica do artista, mas um personagem inspirado no cantor a partir de relatos, estudos e decisões criativas da colaboração entre ator e diretor. Pode ser que essa ideia não fique tão clara para os leigos aos bastidores, mas é possível enxergar a dedicação do artista de Últimas Férias e Só Se For Por Amor em trazer um pouco daquele que foi o responsável por hits como "Quero" e "Amante Latino" na juventude.

    O que mais impressiona, no entanto, é a voz do ator. Não houve necessidade de fazer uma mixagem que unisse o canto de Bragança e Magal, portanto praticamente tudo o que é ouvido no filme, especialmente no palco e nos atos músicas, vem do gogó de Filipe. Esse artifício deve encantar o público, mas não o suficiente para que não percebam o desandar do ritmo de Meu Sangue Ferve por Você quando a narrativa se aproxima do desfecho.

    Apesar de ser uma história sobre Sidney, a verdadeira protagonista do projeto é a Magali de Giovana Cordeiro. A atriz utiliza a dinâmica entre os diferentes personagens para engrandecer sua versão da baiana que segue ao lado de Magal até hoje - uma verdadeira história de amor! Ela explora as nuances da jovem, ora tímida em seu quarto, ora determinada, e justamente por dinamizar esses estados diante da câmera consegue se sobressair em diversas passagens com facilidade.

    Um mundo de sensações

    Manequim Filmes

    Enquanto a dupla de protagonistas tem os holofotes para si na maior parte do projeto, os coadjuvantes conseguem roubar a cena em todos os momentos de tela. O núcleo familiar de Magali é repleto de figuras únicas que amarram a trama que poderia soar monótona caso focasse apenas no romance vivido pelo casal. São eles que, inclusive, aprimoram o flerte da cinebiografia com outros gêneros.

    Temos a mãe super protetora interpretada por Emanuelle Araújo, Tânia Toko mostrando que há muita comédia na simplicidade, Sidney Santiago Kuanza representando a vida queer da Bahia setentista e Sol Menezzes cultivando uma jovem vilã. Estes personagens são responsáveis não apenas por criar uma atmosfera familiar crível, mas também conseguem trazer o interesse do público a arcos secundários que contribuem para o todo.

    Com ótimas atuações, a sinergia em cena (e possivelmente no set) conseguem manifestar “um mundo de sensações” que dão vida à narrativa. Como o intérprete de Sandra Pink disse durante a divulgação do filme, é interessante ver como pessoas comuns atravessam a trajetória de grandes fenômenos e personalidades marcantes.

    Me chama que eu vou!

    Manequim Filmes

    Meu Sangue Ferve Por você consegue superar diversas outras incursões cinematográficas do gênero ao se desprender de alguns moldes que poderiam limitar uma história que tinha tudo para ser contada do jeito mais inventivo possível. Ao apostar na fábula e no surreal, o filme se desdobra com certa leveza, uma tarefa, porém, que sacrifica o aprofundamento em temas mais delicados da época - em 1979, o Brasil ainda estava sob ditadura militar.

    Mesmo que o roteiro e a montagem possam atrapalhar a jornada do público pelas ruas de uma Salvador pouco representada, ainda que bela e colorida, o romance de Magal e Magali consegue sobrepor as quebras da ilusão na maior parte do tempo. Ao escolher este recorte temporal, Paulo Machline opta por retratar o amor “impossível” entre duas figuras emblemáticas com uma fotografia bem aplicada.

    Embora não mantenha esse pique do início ao fim, Meu Sangue Ferve por Você acerta em assumir seu caráter carnavalesco na tentativa de evocar uma fábula cinematográfica. Para aqueles que se entregarem ao sangue latino do artista nas telonas, podem encontrar um pouco daquilo que Sidney Magal sempre emanou: uma vibrante energia.

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