A Filha Perdida (The Lost Daughter)
O primeiro longa dirigido e roteirizado pela Maggie Gyllenhaal (casada com Peter Sarsgaard e irmã do Jake Gyllenhaal) é uma produção original Netflix, baseado no livro de mesmo nome escrito por Elena Ferrante.
"A Filha Perdida" é um filme difícil, profundo, misterioso, que nos incomoda, nos confronta com várias realidades e suas experiências traumáticas, com a obsessão e a sua forma de retratar a maternidade, que não segue em uma linha cronológica, que muita das vezes nos confunde, por terem acontecimentos atrasados e adiantados em um curto espaço de tempo (típica produção que não segue aquela linha de começo, meio e fim). A própria protagonista, Leda (Olivia Colman), é tão perdida e confusa na trama quanto nós, pois observamos suas nuances, seus traumas, suas alegrias, seus sofrimentos, suas frustrações, de uma forma totalmente misturada e de certa forma até bagunçada.
O elenco em si também é confuso, parece que eles estão ali unicamente para nos confundir sem um propósito e confundir a cabeça da própria Leda. De certa forma podemos aprender com as experiências de vida da Leda: que você nunca conseguirá viver sempre seguindo uma linha reta (como na clara alusão na cena em que ela descasca a laranja sem deixar que a sua casca se quebre, e ainda ela ensina isso para a sua filha ), não existe uma cartilha que devemos seguir à risca, devemos vivenciar nossos medos e traumas e confrontar os nossos próprios fantasmas.
Por outro lado o longa ainda peca em vários pontos: como o fato do roteiro ser de certa forma bagunçado e se perder em algumas partes. A forma como o roteiro aborda alguns pontos dentro da trama soa como confuso, deixando aquele emaranhado de perguntas em nossas cabeças e sem explicações - como o fato do contraponto que o longa faz com os flashbacks entre a Leda jovem (Jessie Buckley) e a Leda da meia-idade (Olivia Colman). A narrativa por sua vez também é confusa, falta ritmo, falta imersão, não conseguimos se apegar por ninguém, falta empatia, falta química, o que irá dificultar muito a experiência como um todo, soando até como monótono em algumas partes e se retratando como uma obra sem alma.
Os pontos positivos são:
A direção da Maggie é incrível, a forma como ela conduz os takes, os focos, que muita das vezes era diretamente tomado da própria visão da protagonista, como se nós estivéssemos vivenciando o drama da Leda pelos seus próprios olhos, pela sua própria pespectiva. Assim como os planos mais abertos e principalmente os mais fechados, que davam os focos exatamente nos rostos dos personagens, mostrando perfeitamente as suas diferentes expressões (aproximando bem a câmera). A Maggie dirige o seu longa de uma forma singela, com uma sensibilidade em retratar a mensagem que ela queria nos passar, sem a necessidade de entrar em um discurso que poderia soar como piegas. A fotografia também merece destaque, pois acompanha e casa perfeitamente em cada cena, se mostrando ainda mais explorável e perceptível nos takes mais abertos da Maggie nas cenas da praia. Já a trilha sonora é mediana, não chega a se destacar, mas também não chega a comprometer, é uma trilha mais tímida, mais pacata, dado o contexto do longa. Nessas condições eu considero a trilha sonora como um ponto positivo.
Gostei bastante das atuações e considero mais um ponto positivo!
Olivia Colman é uma atriz maravilhosa e o que ela nos entrega aqui é claramente mais um grande trabalho. Colman dá vida a uma mulher introspectiva, solitária, amargurada, que esta arrasada pela as suas próprias memórias do passado, mas em contrapartida ela se mostra com uma personalidade forte, muito particular, que carrega uma individualidade que a favorece e ao mesmo tempo lhe prejudica. Colman pode até ter atuações melhores (como em "A Favorita" que lhe rendeu o Oscar), mas aqui ela está diferente do que esperamos, fora do trivial, e ao meu ver a sua atuação tem um tom solitário que funciona muito bem casado com a sua dramaticidade. Colman foi indicada em várias premiações e na minha opinião cabe sim a sua indicação, pelo menos para destacar este belo trabalho, vale como lembrança.
A linda Dakota Johnson traz uma personalidade ambígua para a sua personagem, com uma profundidade no olhar que transmitia toda sua insegurança, sua vulnerabilidade, sua instabilidade, seus medos, suas dores, suas aflições. Era como se a Nina se espelhasse na Leda (Colman) e vice e versa, como se uma fosse a experiência da outra, onde a própria Leda conseguia ver o seu passado através da Nina. Confesso que não sou de acompanhar os trabalhos da Dakota, mas aqui ela me surpreendeu positivamente, ela está ótima na personagem e tem uma atuação muito digna.
Jessie Buckley é outro grande destaque no longa. Jessie faz a Leda mais jovem, que parecia não estar pronta para lidar com a maternidade, que aparentemente não possuía os instintos maternos, ou aquela aptidão para ser mãe, tão logo de duas filhas. Leda também tinha suas nuances e aflorava todos os seus sentimentos, explicitando as suas inseguranças. Jessie tem uma ótima atuação, muito bem executada, performada, fazendo aquele contraponto muito interessante da sua Leda jovem para com a Leda mais de meia-idade da Colman. Jessie está indicada no BAFTA e eu concordo com a sua nomeação, mas acho que dificilmente ela levará, ficará apenas como lembrança.
Temos algumas alusões, menções, citações ao decorrer do filme que constantemente nos obriga a tirar as nossas próprias interpretações/conclusões. Eu tirei minhas próprias conclusões e fiz as minhas próprias interpretações. Agora se está certo ou errado, se vão concordar ou discordar....enfim!!!
Na cena em que a Leda (Colman) conversa com a Nina funciona como uma espécie de terapia, para ambas, sendo exatamente o momento em que você começa a ligar as pontas soltas, começa a fazer sentido aquela sua obessão pela Nina como mãe de uma criança, até pelo fato da Leda revelar para a Nina que abandonou as suas filhas por 3 anos quando elas ainda eram crianças. Isso fez aflorar seus pensamentos e suas lembranças do passado, pelas suas lembranças lhe machucar e seus pensamentos lhe corroer por dentro. Sem falar que é uma bela performance da Olivia Colman, por toda sua dramaticidade entregue nesta cena.
Na cena em que a Leda (Colman) decidi partir em busca da filha da Nina que se perdeu (ou a própria Leda a tomou pra si), funciona com uma espécie de objetivo de mãe frustrada, como se sair em busca daquela criança que se perdeu fosse de alguma forma aliviá-la de seus traumas e fantasmas do seu passado, até por a própria Leda ter abandonado as filhas.
A cena em que a pinha cai diretamente nas costas da Leda (Colman), deixando uma marca, um machucado (como uma marca da vida pelo o que ela passou), que logo em seguida é amenizado pela Callie (Dagmara Domińczyk), mas unicamente pelo fato da Leda ter encontrado a filha perdida da Nina. Parece uma forma politicamente correta de se recompensar um bem que você fez para outra pessoa em sua vida, mas com um conceito estereotipado, ou de uma forma vulgar, falsa, fria, como se fosse uma obrigação o fato da Callie passar a pomada para aliviar o machucado da Leda, unicamente pelo "bem" que ela fez para todos, mesmo sem o claro interesse (se é que podemos considerar dessa forma).
O fato da Leda (Colman) ter roubado a boneca da filha da Nina me parece mais uma alusão a maternidade (ou por tudo que ela passou), até pelo fato da Nina querer proteger sua filha como mãe e sua filha querer estar sempre com a boneca. Possivelmente pelo fato da Leda ter abandonado as suas filhas no passado, por querer de certa forma estar com elas como aquela boneca sempre estava com a criança. Parece que realmente a Leda falha como mãe até em posse da boneca, pois tem cenas em que ela entra em constantes conflitos com a boneca, como na cena em que ela joga a boneca pela janela e ela se quebra toda ao chegar ao chão, ou o fato de ela jogar a boneca no lixo e depois se arrepender, exatamente como ela abandonou as suas duas filhas e depois se arrependeu amargamente. Também fico me perguntando se a filha perdida pudesse de certa forma ser aquela boneca, como uma espécie de alusão que o filme faz com a Leda, até pelo fato da boneca estar em evidência o tempo todo em quase todas as cenas, e mais em posse da Leda do que da filha da Nina. Também cheguei a cogitar que a filha perdida pudesse ser a própria Nina, ou não, enfim!
A cena inicial e a cena final (quando a Leda cai na beira da praia), eu fiquei me perguntando se tudo aquilo realmente existiu, ou se ela realmente morreu, ou se tudo não passou de uma ilusão.
No Globo de Ouro o longa foi indicado em Direção (Maggie) e Atriz (Colman). No SAG obteve apenas a indicação para a Olivia Colman. No Critics está indicado em Atriz para Colman e Roteiro Adptado para Maggie. No BAFTA (recentemente anunciado) o longa está indicado em Atriz Coadjuvante para Jessie Buckley e Roteiro Adaptado para a Maggie, esnobando a Olivia Colman, que até então vinha sendo indicada em todas as premiações.
Em seu trabalho de estreia como diretora e roteirista, Maggie Gyllenhaal já nos entrega um longa que dividi inúmeras opiniões, aquele típico 8 ou 80, ame ou odeie. Por mais que o filme peque no roteiro e na narrativa, eu gostei das atuações, das alusões e da direção. No final o longa ainda nos entrega um final ambíguo, livre de amarras, fora do trivial, que você pode facilmente tirar as suas próprias conclusões do que de fato aconteceu com a Leda. Pra mim "A Filha Perdida" é um filme muito subjetivo, que com certeza vai decepcionar uma pessoa e agradar uma outra, já eu fico no lado que se agradou com o filme. Pra mim o longa da Maggie Gyllenhaal tem o saldo mais positivo do que negativo.[05/02/2022]