Não Olhe para Cima (Don’t Look Up)
Adam McKay veio da comédia, sempre esteve presente nesse meio escrevendo e produzindo. A partir de 2015 ele começa a trabalhar com um tom puxado para humor negro, mais crítico, mais satírico, e nos entrega o maior sucesso de sua carreira até aqui - 'A Grande Aposta', que lhe rendeu o seu primeiro Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Em 2018 McKay trouxe seu filme mais político, 'Vice', que funciona como uma biografia, ou até um documentário sobre Dick Cheney (vice-presidente de George W. Bush), mas sem deixar de lado a comédia, a satíra, aquela crítica ácida. Em 'Não Olhe para Cima' McKay traz muitas coisas de seus filmes anteriores, como aquele tom mais político de 'Vice' misturado com aquela sátira de 'A Grande Aposta'.
O novo longa de Adam McKay é uma comédia satírica, uma crítica ácida a sociedade, as classes sociais, ao negacionismo, uma sátira à política como um todo, mostrando uma certa descrença das pessoas perante os governos, o sistema democrático e a sua capacidade de interferir, diagnosticar ou até mesmo resolver os problemas que estão por vir. É incrível como o longa de forma satírica mostra a forma como o globalismo interfere diretamente nos governos políticos, que por sua vez interfere nas mídias sociais, que por sua vez interefere e até controlam a população.
O roteiro de Adam Mckay é absurdamente inteligente e funcional, aquele típico roteiro que expõe, que aflora, que coloca o dedo na ferida em várias questões de uma forma muito coesa (um roteiro à nível de Oscar). Como o fato da sociedade viver em um completo negacionismo, aquela desinformação opcional (os famosos fake news), onde hoje em dia tudo é praticamente moldado via internet, onde a própria internet tem a força de moldar as nossas cabeças e passar a nos controlar como marionetes. Aqui no Brasil não é somente a internet que tem esse poder, os próprios canais de TVs (como a Globo) controlam a população e ditam o que devem seguir, acreditar, fazer - mais marionetes que isso é impossível.
É incrível como o roteiro expõe a grande jogada de marketing, a grande jogada política que a Presidente Janie Orlean (Meryl Streep) utiliza somente quando o caso está ao seu favor, mesmo que de uma forma falha. Falando da própria Presidente Americana, eu vejo como mais uma pitada do humor ácido de Adam McKay, pelo fato dos americanos nunca terem tido uma mulher no comando da "Casa Branca". Também vejo como uma cutucada no governo do ex-presidente americano Donald Trump, até pelos trejeitos e a forma debochada e ácida que a Meryl Streep trouxe para a sua personagem ao encarar os fatos, e nos caso dos EUA, isso vindo de uma Presidente mulher se torna ainda mais relevante dentro do contexto que o filme queria nos passar.
Aqui no Brasil podemos facilmente comparar o governo da Presidente americana com o nosso governo atual. Quando ela não quer que ninguém olhe para cima, seria para não ver a realidade do cometa que está vindo para a terra, ou até mesmo a verdade sobre a sua forma de governar. Podemos facilmente comparar com o nosso governo atual que exibe uma forma de governo antivacina e anti-máscara, uma forma genocida de governar, exatamente a mesma forma genocida que Janie Orlean governou. A forma descrente como o governo e toda população encarou a vinda do cometa para a terra me remete exatamente a pandemia em que vivemos, onde grande parte da populção e governos encaram com a mesma descrença (e estamos caminhando exatamente para o mesmo final do filme). Ainda posso destacar a cena do salgadinho: porquê cobrar algo que já é de graça? Viver é de graça, respirar é de graça, será mesmo? Pode ser até entrarmos em convívio em uma sociedade, onde tudo dentro do sistema é cobrado - sensacional!
Um grande elenco que funciona em perfeita harmonia. É incrível como todos do elenco estão bem e entregam performances primorosas.
Jennifer Lawrence e Leonardo DiCaprio seguram muito bem o filme e são os grandes responsáveis em cativar as nossas atenções. Elogiar uma atuação da grande Meryl Streep é simplesmente chover no molhado, simplesmente um show em cena. Cate Blanchett também está fantástica, é impressionante a facilidade e leveza que ela atua. Cate é aquela atriz que tudo que faz fica perfeito - genial! Tyler Perry foi o contraponto da Cate Blanchett, simplesmente um completava o outro naquele programa que tentava mascarar tudo. Uma grande atuação de Tyler Perry. Rob Morgan esteve em harmonia com a Jennifer e o DiCaprio sendo bastante importante, principalmente no começo dos acontecimentos. Jonah Hill também entrega um ótimo trabalho. Gosto muito do Jonah Hill e aqui ele foi aquele alívio cômico perfeito, aquela válvula de escape bastante funcional, o filhinho mimado da Presidente - perfeito! Mark Rylance é outro que entrega uma performance do mais alto nível. É incrível como o seu personagem funciona como uma mistura de várias personalidades que temos hoje na mídia e que são capazes de moldar as nossas cabeças - um trabalho e uma atuação completamente genial! A bela Ariana Grande atua no que ela faz de melhor, cantando e sendo uma personalidade influenciadora, exatamente o ponto certo que o filme queria nos passar. Ainda tivemos as participações do Timothée Chalamet e do Chris Evans.
Não Olhe para Cima está indicado no Globo de Ouro à Melhor Filme - Comédia/Musical, Melhor Ator em Filme - Comédia/Musical (DiCaprio), Melhor Atriz em Filme - Comédia/Musical (J Law) e Melhor Roteiro em Filme (McKay). No Critics Choice Awards o longa aparece nas categorias Melhor Filme, Melhor Elenco e Melhor Roteiro Original. No Oscar eu aposto que o longa ganhará algumas indicações, principalmente à Melhor Roteiro Original e Melhor Filme.
Podemos facilmente colocar 'Não Olhe para Cima' como um filme-documentário possivelmente fictício, baseado em possíveis fatos reais, com certeza irá se encaixar, mas também se encaixa com mais perfeição como um filme baseado em fatos bem reais e bem brasileiros.
Adam McKay ainda nos entrega a cereja do bolo na cena final em que podemos facilmente nos perguntar: realmente o ser humano poderia viver e procriar em um outro planeta? Ou talvez não? Porquê de fato os seres humanos são a maior ameaça a qualquer planeta existente. E na cena pós-créditos temos mais uma importante crítica ácida e satírica - aquela cutucada nas mídias sociais, nas redes sociais, youtubers, que aconteça o que acontecer, o importante na vida será sempre o follow e o like - sensacional!
Não poderia ter uma época melhor para este filme, ainda mais para os dias atuais, com os governos atuais.
Adam McKay estou te aplaudindo de pé! [04/01/2022]