Os Banshees de Inisherin (The Banshees of Inisherin)
"Os Banshees de Inisherin" é escrito e dirigido por Martin McDonagh. O filme segue amigos de longa data (Colin Farrell e Brendan Gleeson) em uma ilha remota na costa oeste da Irlanda, que se encontram em um impasse quando um decide por fim na amizade repentinamente e a decisão gera consequências alarmantes para ambos.
Martin McDonagh foi um diretor que me surpreendeu positivamente em seu último filme - "Três Anúncios para um Crime" (2017). Em "Três Anúncios" McDonagh trouxe uma trama com uma pegada mais a cara hollywoodiana, com uma história muito bem desenvolvida e muito bem contada. Em "Os Banshees de Inisherin" temos o inverso, a começar pela própria narrativa que é desenvolvida de forma mais lenta e mais cadenciada, sendo que o diretor utiliza uma forma que tudo esteja nas entrelinhas, que necessariamente ocorra em subtextos durante toda a história.
Martin McDonagh traz um filme onde sua principal característica é a abordagem da solidão, onde ele explora as variadas camadas da solidão, as variadas facetas da solidão. McDonagh constrói um drama subversivo onde temos melancolia, depressão, tristeza, frustração, egoísmo, medo, sofrimento. Um drama que funciona em várias camadas, como o elo da verdadeira amizade, a interação social, a carência de atenção, a carência afetiva, e muita das vezes se referindo ao estado solitário de forma peculiar e poética, onde necessariamente temos um estado de privacidade que pode representar o isolamento e a reclusão.
Um ponto muito interessante é a forma como McDonagh faz uma releitura da solitude em seu estado mais pleno, ou seja, aquela forma de não sentir medo do silêncio, de estar sozinho e gostar de estar com você mesmo, com seu eu interior. Este é o principal foco do roteiro, nos mostrar como a solidão é uma permanência, uma condição, enquanto a solitude é um estado passageiro e deliberado, pois na solitude você pode ter alguém mas preferir estar só, enquanto na solidão você realmente não possui ninguém - exatamente como acompanhamos cada personagem no decorrer da trama.
"Os Banshees de Inisherin" é um longa com um tema mais intimista, mais psicológico, que faz questão de nos apresentar seus personagens e seus conflitos, que aborda toda sua história com um certo nível de complexidade. Temos uma abordagem com um lado mais poético, mais minimalista até nas próprias facetas de se sentir solitário, em como isso pode ser bom e ao mesmo tempo ruim. Também podemos observar como a interação social é muito diferente de conexões reais, pois você pode estar cercado de pessoas que se conhecem (como naquele pequeno vilarejo), pode ter uma certa interação com elas mas também pode não ter conexões com elas - é nesse ponto que se cria toda uma complexidade.
Outro ponto muito interessante desse sentimento de solidão abordado pelo roteiro é o fato das variadas formas de como ele se estabelece na história com o passar do tempo...pois inicialmente ele começa entre o conflito de ideias e atitudes entre os dois amigos, onde cada um tem suas visões e definições sobre o que de fato esse sentimento significa pra cada um. Com o decorrer da história vamos observando como cada um pensa, enxerga, encara, como cada um tem sua visão completamente diferente um do outro. Dito isso, devo reiterar como o roteiro de Martin McDonagh é bom, como ele é funcional dentro das suas proporções, onde obviamente não temos uma profundidade, ou um famoso plot twist, mas por outro lado temos a imersão em personagens densos, carregados dramaticamente, cheios de camadas para serem explorados, algo que nos ganha e compra a nossa atenção instantaneamente.
Falando do elenco: McDonagh sempre tem o seu elenco nas mãos e aqui não é diferente.
Temos um Colin Farrell (recentemente em "Batman") diferente do que geralmente costuma nos apresentar em questão de personagem. Pádraic inicialmente pode parecer simples, ingênuo, mas seu papel é crucial ao discutir essa dependência emocional que todos nós temos, que todos nós sentimos e apresentamos ao longo das nossas vidas. Pádraic é a personificação do medo de ficar sozinho, de estar sozinho, da carência de atenção. Colin Farrell entrega um excelente personagem com uma atuação primorosa, que ora nos ganha pela sua simplicidade e ora nos dá raiva pela sua arrogância. Sinceramente eu colocaria essa atuação do Colin Farrell entre as melhores de toda a sua carreira.
Brendan Gleeson (recentemente em "A Tragédia de Macbeth") traz um personagem que é um contraponto muito interessante dentro da história. Colm, diferentemente de Pádraic, vê a solidão como algo bom, como uma paz necessária. Realmente é um personagem que nos expõe uma certa maturidade, uma certa sabedoria, que inicialmente questionamos as suas atitudes (principalmente em relação com a sua atitude dos seus próprios dedos), que fatalmente não iremos criar muita empatia por ele, porém como o desenrolar da trama até conseguimos entender alguns dos seus posicionamentos. Brendan Gleeson também nos proporciona uma ótima atuação.
Kerry Condon ("Três Anúncios para um Crime") mantém perfeitamente o nível de atuações da obra e até se supera em algumas cenas. Siobhán é a irmã de Pádraic, ela vive em uma constante luta interna entre suas projeções no irmão e seus deveres como irmã. Ela também sente a ameaça da solidão, mas da sua forma de sentir, porém é interessante observar a sua relação com seu irmão, que muita das vezes pode ser encarada como uma relação amorosa e ao mesmo tempo conturbada. Kerry está perfeita na personagem, ela se sobressai em várias cenas, principalmente nas cenas em que debate com um embate de ideias com o Colin Farrell.
Barry Keoghan (recentemente em "Eternos") também consegue um grande destaque no filme. Dominic é uma pessoa perturbada, traumatizada, principalmente pela condições impostas pelo seu próprio pai. A solidão pra ele é algo contornável, em até certo ponto é aceitável, pois visivelmente ele é a própria consequência da solidão, pela sua decadência afetiva, pela sua dificuldade em conseguir interagir com as pessoas, pela sua agressividade e pela sua falta de conexões. Um personagem incrível que foi perfeitamente interpretado com maestria por Barry Keoghan.
"Os Banshees de Inisherin" tem uma direção ajustada, competente e impecável do Martin McDonagh (mais uma vez, assim como já havia feito em "Três Anúncios para um Crime"). A trilha sonora de Carter Burwell (também foi o compositor em "Três Anúncios para um Crime") é excelente. Incrível como a composição é bem feita, bem harmoniosa, bem peculiar, condiz perfeitamente com a obra e dita muito bem todo o seu ritmo. Outro acerto é a fotografia de Ben Davis (também trabalhou em "Três Anúncios para um Crime"), que está muito bem casada no filme, sendo a principal responsável em nos fazer sentir toda ambientação naqueles cenários incríveis. A direção de arte é absurda, assim como a montagem, cenografia, edição de som, tudo feito com muita riqueza, com muitos detalhes, com uma construção funcional e impecável.
O longa de Martin McDonagh vem ganhando forças expressivas mundo afora. Teve sua estreia mundial no 79º Festival Internacional de Cinema de Veneza em 5 de setembro de 2022, onde Colin Farrell ganhou a Copa Volpi de Melhor Ator e Martin McDonagh ganhou o Golden Osella de Melhor Roteiro, além do filme ter sido aplaudido em êxtase por quinze minutos. O filme foi amplamente aclamado pela crítica, que elogiou o roteiro e a direção de McDonagh, a trilha sonora de Burwell e as atuações do elenco. No Rotten Tomatoes o filme possui uma aprovação de 97% baseada em 267 resenhas. Já no Metacritic o filme possui uma média ponderada de 87/100 baseada em 61 resenhas. Também foi eleito um dos melhores filmes de 2022 pelo National Board of Review.
O longa-metragem recebeu oito indicações principais no 80º Globo de Ouro, sendo para Trilha Sonora, Roteiro, Direção, Atriz Coadjuvante (Kerry Condon), Ator Coadjuvante (Brendan Gleeson e Barry Keoghan), Ator (Colin Farrell) e Melhor Filme - Musical ou Comédia. No Critics Choice Awards o filme teve nove indicações, incluindo Ator, Ator e Atriz Coadjuvante, Direção e Melhor Filme.
"Os Banshees de Inisherin" é um ótimo filme, Martin McDonagh consegue todos os holofotes para si mais uma vez, assim como em "Três Anúncios para um Crime". O longa se destaca e se sobressai principalmente por nos apresentar uma trama rica, com um texto muito bem escrito, onde temos um elenco afiadíssimo, com um roteiro muito funcional, que traz abordagens contundentes e pertinentes sobre as mais variadas camadas e facetas do ser humano. [29/12/2022]