No início da década do século (pós anos 2.000) vimos as redes sociais como algo positivo. Encontramos familiares que não víamos há anos, familiares de outros países que nem sabíamos que existiam. Nos conectamos com o mundo em grupos que nos identificávamos de alguma forma. Com o tempo e com o avanço das redes sociais, fomos ficando mais próximos, em grupos menores conforme nossos interesses. Profissionais liberais abriram seus conhecimentos e com eles, sua clientela. As comunicações entre colegas de trabalho se tornaram ininterrompidas! Falávamos com os chefes, fornecedores e equipe 24 horas por dia, 7 dias por semana, independentemente de leis trabalhistas.
No início, a formação de grupos conforme suas identidades, sejam elas de qual natureza for: cultural, artística, profissional, familiar, consumo, etc, trouxeram mais benefícios do que malefícios. Mas com o tempo essa democracia foi incomodando. Estar num grupo ou criar um grupo significava fechar as comunicações para quem interessava de fato. Passamos a jogar nas redes opiniões pessoais (ou do nosso grupo), independentemente do que os demais leitores achariam. Visto que, por exemplo, no facebook tambem estamos num grupo ‘nosso’, pois são ‘amigos’ que nós aceitamos adicionar ou sermos adicionados, entende-se que neste grupo ‘nosso’ há diversos subgrupos totalmente heterogêneos: familiares, colegas de trabalho, amigos da escola, vizinhos, e por aí vai. São ‘o meu grupo’ totalmente dividido nos meus diversos grupos. E eu estou em todos! Neste sentido, quando uma pessoa publica uma opinião diferente de outros do grupo, é motivo de causa de discussão, ofensas e até exclusão (ou autoexclusão) dessa pessoa do ‘grupão’. Passamos a nos separar do diferente. Segmentamos nossa amizade, nossas opiniões políticas, as informações que consumimos.
Há um ditado contemporâneo que diz: a internet é o paraíso dos covardes. Nas redes as pessoas acusam, xingam, ofendem, sem aparecer fisicamente. É um ambiente, teoricamente, protegido, como se a pessoa tivesse o direito de dizer todos os tipos de absurdos, sejam eles verdades ou mentiras, e todos fossem obrigados a ‘engolir’ tais falas. O lugar de fala dessa pessoa é sua própria cadeira, mas ela se torna o púlpito maior quando essa fala transgride a moral, a ética, a verdade e as políticas de boa convivência naturais das relações presenciais.
Neste contexto, passaram a surgir as fakenews, impactando demasiadamente nas relações pessoais, em grupos, em subgrupos e no mundo. Neste bojo, vieram os ‘bots’, programas que colhem nossos dados, seguem nossas pesquisas, captam nossos interesses, transformam tudo isso em algorítimos e passam a nos enviar conteúdos adequados ao nosso perfil. Sendo tais bots maravilhosamente interessante aos grupos comerciais (uma vez que são direcionados anúncios do nosso interesse onde quer que estejamos visitando nas páginas da web), foram e estão sendo extremamente nocivos para a sociedade contemporânea. Eleições presidenciais, como a do Trump, nos EUA, foram conduzidas e definidas por esses bots. E a do Bolsonaro, no Brasil, também. (caso queira mais informações, ler o artigo O que é bot? Conheça os robôs que estão 'dominando' a Internet, disponível no site techtudo).
O filme mostra, então, como esses bots são utilizados para manipular nossa vida: nosso consumo, nossas escolhas, nossas opiniões, o que compartilhamos, o que não verificamos as veracidades. Adolescentes sendo direcionados para grupos e opiniões altamente prejudiciais à sua autoestima e seu poder de escolha natural. Adultos se odiando e odiando grupos que os odeiam. É o ódio instalado em nossos dispositivos e nos chamando à briga o tempo todo. E, no intuito de não brigarmos, nos fechamos nos sub-sub-sub-sub grupos que não discordamos, fechando assim cada vez mais nossa rede de relacionamento. Paradoxalmente, as redes que nos abriram ao mundo, nos fecham a poucas pessoas, a poucos subgrupos estressadamente segmentados, onde podemos falar e ouvir (ou seja, escrever e ler) o que não nos incomoda.
No entanto, independentemente das relações pessoais, é urgente que se reflita o papel nocivo das redes hoje, utilizadas pelos grandes grupos de tecnologia, para agirmos e pensarmos como eles querem que pensemos.
O filme mostra, metaforicamente, os dados nos induzindo a clicarmos, visitarmos, estarmos constantemente conectados, controlando nossas vidas e nossos sentimentos, como se fôssemos robôs, brinquedos nas mãos deles. E na realidade, estamos sim sendo esses brinquedos, quando clicamos nos anúncios que nos são mostrados, ou quando espalhamos notícias sem checar a veracidade delas. Estamos sendo usados para nos comportar como eles querem que nos comportemos. E isso é assustador.
Escolher presidentes da república induzidos por bots e por fakenews é danoso para o mundo, enquanto em paralelo nos digladiamos com os que discordam das nossas opiniões e travamos uma guerra civil online. Guerra civil esta que falta pouco para irmos às ruas, às vias de fato.
Por isso fica o dilema, como o nome do filme diz: devemos sair das redes sociais? Devemos usar a internet só para nossas pesquisas profissionais e acadêmicas? Como nos comportar para não sermos manipulados? Como não odiar aquele grupo que só fala asneira? E como ouvir esse grupo (ou essa pessoa) e não reagir? E por fim, o que é estar alienado? É ficar fora das redes ou dentro delas?
Mônica Picco
out/2020