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    DAU. Natasha
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    DAU. Natasha

    A intenção de chocar já basta?

    por Barbara Demerov

    O conceito de DAU. Natasha é, no mínimo, interessante. DAU é o nome de um projeto cinematográfico que construiu uma espécie de cidade soviética dentro de um estúdio. Tudo começou em 2009 e a intenção era simplesmente a de filmar histórias independentes umas das outras, mas sempre destacando o sistema opressor que se instalou na URSS até meados de 1953. Uma ideia válida para mostrar o quanto as pessoas sofreram nas mãos da Era Stalin, correto?

    Nem tanto. O filme dirigido por Ilya Khrzhanovski e Jekaterina Oertel é de fato muito diferente de qualquer coisa que tenhamos visto nos últimos anos e esta é justamente sua maior qualidade (sobretudo em fatores técnicos). Mas ele não se sustenta na base de mostrar à sociedade atual como aquelas pessoas viveram um período de tormento por conta do governo soviético. Ao invés de provocar choque com a intenção de nos fazer refletir com equilíbrio, trazendo conteúdo não só na composição cinematográfica como na mensagem que as personagens carregam, DAU. Natasha provoca uma espécie de autoritarismo com o próprio espectador -- justamente aquilo que, pelo menos na teoria, tenta denunciar na tela.

    O espectador precisa ver tudo aquilo e precisa sofrer junto com os personagens, interpretados por atores não profissionais. A protagonista, dona de um restaurante que se localiza dentro do centro de pesquisas da URSS, aparece em cena fazendo sexo com um professor espionado pelo governo, sofrendo fortes torturas, bebendo até não conseguir andar e brigando com sua funcionária (com direito a tapas, empurrões e puxadas de cabelo). Tudo isso é apresentado de forma crua e lenta, com a construção de todos os fatores que introduzem a personagem até estes momentos -- uns sendo realmente bárbaros.

    São detalhes minuciosos que tornam DAU. Natasha tão aterrador, pois o realismo não para nos cenários e vai adiante, até chegar ao roteiro -- que, por si só, é praticamente inexistente. A longa duração do filme, aliada às extensas cenas sem cortes, se unem como uma espécie de martírio silencioso. Além disso, não há trilha-sonora e a fotografia é quase sempre escura, destacando tons frios e sem vida. A sensação de desamparo permeia a história, que abre e fecha destacando a clausura daquelas personagens, como num ciclo sem fim.

    Tudo em cena é absolutamente real e não temos dúvida disso em nenhum momento. Mas a pergunta que fica é: Até que ponto a cultura da perturbação no cinema pode ser vista como arte? Quando podemos saber até onde vai o limite na linha tênue entre chocar por uma razão narrativa ou chocar, simplesmente, para trazer impacto, porém com a finalidade perdida em meio ao visual? Quando não há mensagem por trás desta intenção, o resultado pode se tornar oco -- e este é o caso de DAU. Natasha, de longe o filme mais polêmico desta edição da Berlinale.

    Filme visto no 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2020.

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